sábado, 20 de agosto de 2016

Para ela

 - Se importa se eu fizer uma pergunta?
 - Sobre o quê?
 - De onde você tirou aqueles dois acordes?
 - Acordes?
 - Aqueles da ponte em Kafka a beira-mar.
Ela olha para mim. - Gosta deles?
Assenti.

 - Encontrei esses acordes em um velho quarto, muito distante. A porta para o quarto estava, então, aberta, ela diz quietamente. Um quarto que estava muito, muito distante. Ela fecha os olhos e afunda de volta em memórias.

Kafka à beira-mar, Haruki Murakami

       "As bandas quando começam costumam compor com quatro acordes, sério, dá para fazer muita coisa a partir disso." No momento em que Fabio dizia isso eu sabia que acabaria por fazer diferente. Faria uma canção com tantos acordes quanto possíveis mesmo sem saber os nomes ou quais eram suas funções. Tinha a impressão de que nunca saberia e, se o fizesse, a mágica pertencente a eles partiria a outro plano inabitável. No ano anterior o Acústico MTV de Lenine me apresentara a uma série de possibilidades harmônicas e cromáticas, seu violão percussivo estava galáxias distante de mim. De uma série de tentativas frustradas para tirar Hoje eu quero sair só de ouvido nasceu o esqueleto inicial da melodia.
          No que se mostraria recorrente, havia uma tensão circular constante e irresoluta. A procura pelo refrão não trouxe resultados. Nada mais anacrônico! Ainda que o Los Hermanos já tivesse lançado em seu Bloco do eu sozinho a música Cadê teu suín-? passei a flertar com as composições da banda apenas quando entraram em hiato. Se àquela altura eu entendesse que a criação não precisa de amarras, teria poupado uma série de justificativas no início. "esse acorde não pode estar aí", "suas melodias não estão a altura de suas letras", o eco do que alguns me diziam me acompanharia pelos anos seguintes, embora, sempre me permitindo a posição de desafiar a ordem vigente, tentar introduzir um pouco de caos através do não-saber-teórico.
            Naquela época os livros de Dan Brown eram uma de minhas fontes de entretenimento mais constantes, não apenas isso, Fortaleza Digital, Anjos e Demônios, me ensinavam uma série de códigos simples, ambigramas. Por sua vez me levaram a ter um contato superficial com cifras hebraicas, a caixa de César, enfim. Estar envolto a códigos me fez pensar na publicidade de uma marca de cigarro. Certa vez minha mãe me falou de uma publicidade do cigarro Minister. "Minha Inesquecível Namorada Isto Será Tua Eterna Recordação" um acróstico viria a calhar. Parecia genial e elaborado, não deixava de ser um código! Tudo começou com um poema, quando mostrei a letra a Bob ele apreciou tanto a ideia que utilizou no refrão de Segredos em sussurros a primeiríssima composição da Falsa Modéstia.
              Então, ainda que meu poema tenha começado antes ele foi terminar depois, mas não existe tempo quando se trabalha em equipe. É tudo um esforço simultâneo e complementar o que enriquece a obra coletiva. Diria Jair Oliveira: "Muita atenção, tudo o que vai volta." Se o que seria para sempre acabou em dois segundos, a emoção da genialidade do acróstico ruiu no primeiro semestre da faculdade, dois anos depois. O Profº Massaud Moisés, em seu Dicionário de termos literários define o acróstico como "poesia de circunstância, expediente típico de poetas menos inspirados que virtuoses (...) durante a Idade Média (...) poetas o empregavam para ocultar discretamente o nome da bem-amada." tanto labor para concluir o que incontáveis viveram antes, ó fruto do empirismo. Seja como for, a memória vegetal conserva as ideias passadas, mesmo quando nos ressignificamos após crises de identidade.
"E hoje eu reconheço/Que meu descompasso/É fruto do que fui até aqui" Empirimístico, Onagra Claudique
Para ela (2007) 

Faz sentido agora, você disse:
Ainda lembro de você
Busquei em mares aquela mesma cor
Infinita de teus olhos girassóis
Onde por muito viajei
Leve e sem rumo
Agora sei, que não mais vou encontrar

Resta saber, se isso é verdade
Inspirei-me a procurar pela cidade
Bem ou mal? ainda pode acontecer
Então, por onde andas?!
Imagino todos os dias:
Reatar as vidas

Ou voltar a culpar o destino?

Paixões de cinema
Abismos que por amor
São superados e então feitos
Segredos, secretos, sagrados
Opções nunca feitas ao vivo
Sonhos em que você está.
  

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