quinta-feira, 22 de setembro de 2016

108 Minutos

Estava em Florianópolis, o lugar ser conhecido como "A Ilha da magia" não deve ser coincidência...

"LOCKE: Você e eu sabemos onde estávamos antes do flash, James. Então, quem foi que você viu? Charlie? Shannon? Você mesmo?
SAWYER: E como é que você sabe onde estávamos, Johnny Boy? Aquela luz no céu — era da Escotilha, não era?
LOCKE: A noite em que o Boone morreu... Eu saí e comecei a bater o mais forte que podia. Eu estava... confuso... assustado. Balbuciando como um idiota, perguntando, por que tudo aquilo estava acontecendo comigo.
SAWYER: Conseguiu uma resposta?
LOCKE: Uma luz surgiu, apontando para o céu. Naquela hora, eu pensei que significasse algo.
SAWYER: Significava?
LOCKE: Não. Era só uma luz.
SAWYER: Por que nos fez dar a volta, então? Não quer voltar lá?
LOCKE: E por que eu iria querer?
SAWYER: Para lhe dizer para fazer as coisas de um jeito diferente, se poupar de um mundo de dor.
LOCKE: Não, Eu precisava daquela dor — para chegar onde estou agora."



108 Minutos (2007)

Eu tive uma visão
Mas não quero que aconteça
Se você está em cima do muro
Te digo melhor que desça
Você não vai querer saber
Mas eu vou te contar
Já não haviam geleiras na Terra
Não vi um urso polar

E só nos restam 108 minutos
Para o fim do mundo
É a nossa última esperança
Pra que não restem só lembranças

Não tinha salvação
Mas a maré estava cheia
E via muitos buracos no chão
De acidez ultra-violeta
Dentro ciclones em espiral
Consumiam o ar
Já não haviam abrigos na terra
Lugar pra chamar de lar

E só nos restam 108 minutos
Para o fim do mundo
É a nossa última esperança
Pra que não restem só lembranças


"SOBRE A ESCURIDÃO, MÚSICA. UM PRESSÁGIO AMEAÇADOR. ENTÃO, SURGINDO DAS TREVAS, UMA ÚNICA PALAVRA. FLUTUANDO NO ESPAÇO, FORA DE FOCO, EM DIREÇÃO À CÂMERA. ENQUANTO ELA AVANÇA, ENTRA EM FOCO, MAS É NÍTIDA APENAS POR UM BREVE MOMENTO:

LOST

ENQUANTO SE APROXIMA DE NÓS PERDE FOCO -- E AO MOVER PELO "O" A MÚSICA CRESCE, ENTÃO PARA, ABRUPTAMENTE, ENQUANTO A CAMERA CORTA PARA:

O OLHO DE UM HOMEM

PLANO FECHADO. O olho se abre. O homem olha rapidamente para o relógio. São 8:15. Seu texto não está pronto. O editor é severo e tem sido uma presença constante em sua vida. Ao menos, ao curso dos últimos quatro meses. Este é o décimo oitavo texto do blog. 'Como se tornou o mais difícil?' ele pensa. O PLANO AMERICANO permite a quem está assistindo ver o número de folhas, cadernos, e livros de referência. Thales supõe ser melhor dar início ao texto, e, antes de abandonar o roteiro. Percebe a convidativa tela branca de seu notebook a instigá-lo. Ele começa a ouvir Hollywood and Vines, de Michael Giacchino."

     Do mesmo trabalho escolar motivador-temático da canção Solipátria, surgiu 108 Minutos. Por já haver alguém a cuidar da música que meu grupo apresentaria, decidi focar a atenção em outras ideias. Tudo é meio difuso à partir daqui, a minha certeza era a de que compor uma música para o trabalho de meus amigos da sala ao lado se tornaria uma atividade muito mais divertida. As conversas acerca de Lost com Ivan e Leonardo, muitas vezes, poderiam seguir vida a fora e noite a dentro, fosse com os 89 enigmas ou apenas a vida, o universo e tudo mais. Nada mais justo que fazer parte do grupo deles de alguma forma. Por mais subjetivo seja, acabou que a personagem na qual a letra foi embasada foi Desmond David Hume.
     Talvez por ter sido o primeiro personagem que vi, no dia 12/03/2006. Daniel Martins dissera várias vezes para que eu assistisse a série de uma vez, mas eu relutava. Até que, no domingo supracitado, decidi sintonizar no AXN às 20h para a reprise da abertura da segunda temporada. Minha primeira impressão foi a de que a programação do canal estava errada. Os primeiros três minutos vistos não mostravam nenhuma ilha no pacífico, e sim, uma rotina matutina interrompida por uma explosão. Seria meu cérebro? A abertura da série me fez ter duas certezas: primeira, parece que não se tratava apenas de "um avião caiu numa ilha deserta e 48 sobreviveram, isso é um Survivor" como eu mesmo detratara antes de conhecer. E a segunda, a oferta de Daniel para emprestar os DVD's da primeira temporada estava em pé? Eu precisava de uma overdose! Uma das primeiras 'binge-watchings' da família Salgado no universo pré-Netflix.
"But you've gotta make your own kind of music/Sing your own special song/Make your own kind of music/Even if nobody else sings along" - Mama Cass, 1969
     Essa composição é creditada, também, a Ivan Carolino. Enquanto construíamos o escopo da letra, ele sugeriu o refrão. 4+8+15+16+23+42 = 108. Quando visto sob a ótica de Desmond a resposta é clara como um cristal: a necessidade de inserir o código no computador e "salvar o mundo". Como diria Kelvin Inman. Os primeiros versos da letra adaptam parte do diálogo de Desmond e suas visões da morte de Charlie no episódio s08e03, ao mesmo tempo em que pode ser interpretada como um desesperado eu-lírico assumindo ares proféticos quanto aos efeitos do aquecimento global. O contexto ambiental que a letra precisava ter era o expediente certo para que ursos polares existissem na narrativa sem levantar suspeitas. Aquele que ouvisse sem conhecer as experiências da Iniciativa Dharma, não se atentaria aos detalhes. Os "ciclones em espiral"  são uma menção ao mangá de Junji Ito, Uzumaki, que a Conrad publicara em 2006. 
     "Já não havia abrigos na terra, lugar para chamar de lar" poderia sintetizar o deslocamento de Desmond na segunda temporada quanto um cenário pós-apocalíptico qualquer. Abrigo, entrou pela falta de palavra que melhor definisse a função da "escotilha", afinal, não caberia usar o estrangeirismo "hatch", tampouco, a adaptação lusófona "portinhola". Como diria meu pai: foi o que se pode arranjar. Outros grupos haviam alcançado resultados mais coerentes, o grupo de Talita Soares, por exemplo, tinha uma letra que começava com algo como "Galera, vamos passar uma mensagem, uma mensagem consciente sobre o nosso ambiente" no melhor estilo Natiruts. Foi, à época, provavelmente a com maior repercussão, ainda que não fosse uma competição.
Foto tirada no dia 2/04/2008, no hiato ocorrido após o oitavo episódio da quarta temporada. Espólio de meu primeiro blog.
        Curiosamente, como se representasse o fim de algum ciclo imaginário, o ano em que descobri a existência desse projeto da profª Marize, foi 2004. Ano de estreia da série. Não me recordo qual foi a nota recebida, mas a música foi um dos registros dessa fase. Ainda que nunca tenha sido executada ao vivo, ela fez parte da primeira coletânea da Falsa Modéstia, com o objetivo de reunir todos os fragmentos musicais dos integrantes em um todo coeso.
      Tendo em mente todo esse desenvolvimento, fui pego de surpresa quando Bruno e Fabio escolheram a música para um possível repertório. Lost, é, sem dúvidas, uma das palavras mais recorrentes em meu discurso. Por meio dela conheci diversos livros, como A Volta do Parafuso de Henry James. Passei a consumir podcasts, do Lost in Lost de Carlos Alexandre Monteiro ao Nerdcast. Comecei a buscar conteúdo na internet avidamente. Cheguei ao extremo de, por pelo menos três vezes, emprestar o box com a série completa para pessoas próximas. Sabe aqueles velhos cadernos escolares em que a pessoa responde sobre si mesma? Minha resposta seria "assista Lost". Embora não pareça, não sou o fanático cego que não enxerga erros na série, lembro de uma série de decisões que podem ser tomadas como equívocos por parte dos criadores da série. Acho justo, porém, saudar a representatividade infinda que esse seriado tem em mim. Na faculdade, quando estudávamos fábulas, a que escrevi tinha o título "O menino e a caverna de luz". Que no final fossem apenas reflexo de moedas douradas no interior dela é mero detalhe.
        Quando visitei Florianópolis, em julho, meu pensamento era "estou em uma ilha!". Meu primeiro moleskine tem várias anotações do que poderia ser um disco conceitual com letras inspiradas na série, nada sério. Person of Interest, Sense8, The Leftovers, The Vampire Diaries, Once Upon a Time. Até mesmo Persons Unknown, The Event, Flashforward... Quantas séries assisti por encontrar o menor denominador comum com a série da ilha? N'outro dia mesmo estava em aula na Cultura Inglesa e no instante em que um exercício dizia "my manager doesn't have to speak English. I am his assistant and I do all the documentation in English for him" automaticamente me lembrei da dinâmica entre Lennon e Dogen na sexta temporada. Meu olhar, então, corre a sala à procura de alguém que tenha captado a referência. Uma que só encontrei por ver o mundo por um filtro Lostiano.
         
          Não estive exposto à nenhuma espécie de radiação, minha memória me trai, todavia. Duas outras composições minhas receberam homenagens a Lost: Constante e The Equation Variable. Enquanto não falo delas, deixo aqui uma paródia que escrevi esse mês , da música Mulheres, composta por Toninho Geraes e eternizada por Martinho da Vila. Em nome dos DeGroot, Alvar Hanso e todos nós aqui da Iniciativa Dharma, Namastê e boa sorte:

Já assisti séries: preto e branco e a cores
Fui de faroestes, às cheias de amores
Com umas até certo tempo fiquei
Pra outras apenas um pouco me dei

Já assisti séries falando da vida
Falando da morte, psicopatias
As adolescentes, as de detetives
De contos de fada com final feliz

Vi séries cabeça e as já canceladas
De advogadas, de guerra e de paz
Mas nenhuma delas me fez tão feliz
Como você me faz

Procurei de metanfetamina a publicidade
Mas eu não encontrei e fiquei na saudade
O inverno mal chegou, mas tudo tem um fim
Você é a luz da minha ilha, a minha vontade
A série é de mentira, mas se fez verdade
É tudo o que um dia eu sonhei pra mim.

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