quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Solipátria

"São tempos sombrios, não há como negar. Nosso mundo jamais enfrentou ameaça maior que a que enfrenta hoje." Rufo Scrimgeour

        Textos guardados, uma série deles. "Nunca tantos quantos se poderia ter." Parafraseio Sampa no Walkman, dos Engenheiros do Hawaii, como quem não quer nada. Assim como Lost, qualquer um que converse algum tempo comigo ouvirá alguma menção à banda gaúcha. Pra ser sincero esse texto já começou e acabou de uma série de formas. Ele já foi uma prosa poética acerca dos valores do país, já se tornou um roteiro com cenas em que um jovem eu conversava na banca de jornal acerca de quais valores eram possíveis ou plausíveis do alto de seus doze anos de idade, também rascunhada foi a ideia de falar acerca de artistas com temas políticos em suas letras. Agora, como transmitir a mensagem de modo a não soar como estivesse a colocar minhas próprias palavras à altura de meus "mestres" por assim dizer? 
         Essas narrativas em primeira pessoa sempre me fazem pensar em quão confiável é a voz do texto, principalmente quando envolve o resultado de uma série de diálogos. Tudo é sempre uma ficção; Pode ser influência da segunda temporada de Mr. Robot, ainda que não esteja tão contente com os rumos da trama que parece patinar sem rumo, a ideia de dupla personalidade sempre me chamou atenção desde que me deparei com o trágico destino de Saga, o geminiano. Diga o que quiser, fui conhecer a obra de Robert Louis Stevenson só muito tempo depois, fico com o referencial nipônico. Seja como for, no final, despida de todo o requinte que se buscava cá estamos no segundo parágrafo e, na falta de ideia melhor para ele, sugiro que passe ao terceiro:
         Síntese sem tese ou antítese agora, retomemos parte do que compunha a intenção original do texto. Aos doze, eu estava na banca de jornal próxima à E.E. Esli Garcia Diniz, suponho eu estivesse conversando com Alcebíades quando os acordes de uma música diferente começou a tocar na rádio. Gm F Dm não seria mera coincidência que minha primeira composição teria um pouco disso. A questão é que quando ouvi os versos "Sinto um imenso vazio e o Brasil que herda o costume servil, não serviu pra mim" não deixei escapar a surpresa. "Esse cara tem a voz parecida com a do Paulo Ricardo". Fui corrigido pelo colega da banca: "Mas é ele, está voltando com a banda dele, o RPM". Curioso, até então, para mim, ele era apenas o judeu Samuel na novela Esperança e o cantor de hits tais Como se fosse a primeira vez e Dois.
           Foi um choque bem vindo, eu sabia que letras podiam ser politizadas, refletir algo do mundo "real". Conhecia Ideologia de Cazuza, e uma serie de pensamentos de Renato Russo envolvidos nas letras da Legião Urbana, como Que país é esse? e Geração Coca-Cola. Mas Juvenília representou a ruptura do que se podia dizer ou não. Então, no terceiro ano do ensino médio era o que eu tinha em mente quando a profª Marize dividiu a sala em grupos e propôs que cada um compusesse uma canção sobre o país, e que tivesse o meio ambiente, também, como norteador. Foi surgindo o que viria a ser Solipátria suponho segui o tema até o segundo verso. Como o grupo em que eu estava já possuía um compositor com uma verve "popcêntrica" deixei de lado a primeira estrofe por alguns anos. Textos guardados. Uma série deles. 
          Corta para o RPM de novo. Em sua versão de Alvorada Voraz para o disco ao vivo em 2002, Paulo Ricardo atualizou sua letra. O que era "O caso Morel/O crime da mala/Coroa-brastel/O escândalo das jóias/e o contrabando/um bando de gente importante envolvida" tornou-se "O caso Sudam/Maluf, Lalau/ Barbalho, Sarney/ E quem paga o jornal?/ É a propaganda, pois, nesse país é o dinheiro que manda." Em 2009 a série de escândalos no senado acabaram por me fazer retomar a letra pensando na situação do país, e, o hino nacional já estava no DNA da letra que nasceu na escola. O tema na faculdade rondava as intertextualidades, e a Canção do Exílio de Murilo Mendes uma ponte. No último momento a melodia se deixou influenciar pelo folk cuiabano do Vanguart. De tanto ouvir comentários acerca de Guimarães Rosa era preciso utilizar neologismos, apenas no título faria sentido: A pátria solitária, solitária pátria, solipátria. Os protestos de 2013 viriam a contradizer o primeiro verso da segunda estrofe, o povo já não estava calado. Hoje, mais que arroubos parnasianos, estudantes ocupam suas escolas em atos que deixariam V orgulhoso. Ideias são à prova de balas e o país pode avançar sem temer.



Solipátria (2009)

Quando o verde louro torna rubro
E o som do mar traz gritos incontáveis
Quem parar para olhar para o céu
Não verá o sol da liberdade
E sim decepção por toda a corrupção
Que agora reina e se espalhou

O povo heroico está calado e já não liga mais
O espelho está quebrado e se nega a refletir
Pois que não há grandeza a ser espelhada em futuro aqui

O berço esplêndido virou caixão
E ninguém já se deu conta
Que alguém apagou a luz
Entre outras mil fomos nós mesmos
Os que cortamos o cruzeiro que resplandecia
E agora vocês sabem
Sabem que somos nós

Que vamos permitindo a um outro mundo
Vir até aqui e fazer pouco caso de nossas verdades!
Da pátria amada hoje só restou saudade
Saudade restou só hoje amada pátria
Tenha dó de mim

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