quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Tributo aos Sentimentos

"Eu estava só e estava estranho. Estava tarde,  tarde demais. Eu me sentia só e triste demais para procurar alguém. Não procurava, mas precisava. Eu corria pela rua sem ninguém atrás de mim, para alguns, isso é muito bom. Para mim? é muito ruim. Eu vivia bem, até que alguma coisa deu errado, errado! Então, depois, tudo estava errado, tudo errado, errado! Havia um retrato pendurado na parede. Ontem era tudo, hoje eu já não sei. Eu não faço nada, eu não posso fazer nada. Veja bem: não há nada que eu possa fazer.
Será que eu vou ficar sozinho no mundo, será que eu não vou ter com quem conversar?  Será que eu vou ficar sozinho no mundo, será?" - Homens-Caixa, Nenhum de Nós - 1987





         E tão logo vi nascer, pelas mãos de Bruno e Fabio, Segredos em Sussurros, retirei um encadernado em que colocava as mais desconexas frases e versos. Creio que, naquele momento eu não possuía nem mesmo um poema completo. Bruno dizia que vinha escrevendo nos locais mais inusitados, como esperando na fila de um banco para pagar contas que lhe não pertenciam. Poderia ser aos olhos dele algo ali fizesse sentido. Afinal, menos de seis graus nos separavam, naquele tempo  ele morava praticamente a duas ruas da minha. Quantas vezes você já passou em frente a uma casa, imaginando como eram as pessoas que ali viviam? Quais são as chances de você passar a ser alguém do convívio, de partilhar gostos e interesses? 
          Seguindo esse raciocínio, a canção Homens-caixa, da Nenhum de Nós, fazer parte do repertório oficial da banda desde sua formação era uma contradição, ao menos no que diz respeito ao conteúdo de sua letra que pode ter sido inspirada pelo livro do autor japonês Koto Abe. A ideia de se colocar numa caixa pode ser a de se distanciar do mundo, não se envolver com nada ou ninguém, apenas tentando manter um semblante ameaçador para o mundo que está fora. Bento de Albuquerque Santiago já concluíra que um dos erros da Providência era a não possibilidade do uso dos olhos como arma de ataque. Talvez não passe de um acerto para evitar acidentes causados pela cegueira de um raivoso impulso. A tal contradição reside no fato de que para a existência de uma colaboração, os envolvidos precisam estar dispostos à interagir, mesmo que essa interação seja feita entre uma das partes e apenas a representação do outro na figura de palavras ou melodias.
           Salvo melhor juízo, escrevi apenas as frases copiamos os sentidos/criamos inimigos e vem os últimos dias. Em meados de 2005 as ideias de início e fim sondavam, estando alheio ao conceito de eterno retorno me punha a desfiar aforismos tais "um dia de branco não lava uma vida de pecados" ou a aproximação de antitéticos como "o fim de um início do ano para mim", como o caderno foi jogado fora depois de duas ou três utilizações é impossível rastrear a gênese total. Lembro de Bruno comentando algo acerca de motivos outonais como o vento batendo nas folhas, essa movimentação de uma liberdade para o ato de pensar sempre esteve presente. Quando fui convocado a sua casa numa noite escura, a canção já estava quase completa, uma das sugestões era a de que fosse cantada em três vozes, algo que, à parte o primeiro registro caseiro em 2007, nunca se concretizou. Nessa mesma noite debatemos acerca de como romper o ciclo de acordes até o momento em que surgiu um Bb para guiar o verso não posso ser eu mesmo todo o tempo. E quem é que pode?
         O nome surgiu como que por vontade de atestar uma relação entre o tempo do início da letra e sua conclusão, nascer leva tempo.

Tributo aos Sentimentos (2007)

Copiamos os sentidos
Criamos inimigos
Talvez por isso sinto a sua falta
Acho que sem explicação
Vem os últimos dias
Quando acaba é apenas um começo
E o novo começo é sempre o mesmo
Esperamos a mudança
Quando ela vem, sinto a sua falta

O que foi ensinado
Não foi de tudo em vão
E o meu medo já não atrapalhará
Meu medo é o seu
E é isso o que te faz real
Não posso ser eu mesmo todo o tempo
Existem, leis e leis e leis
A única lei restrita, a única que me interessa:
Liberdade de escolha

Mas por ora meu suor o vento leva
Você não precisa vir comigo
Logo volta a correr...



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