quarta-feira, 31 de maio de 2017

O Guarda-chuva

       

 
"F
azia pouco tempo que eu voltara d'A Princesinha do Atlântico, Macaé - RJ. Uma viagem acompanhando meu irmão com o intuito de conhecer uma igreja acabou por propiciar o inicio de um namoro com uma moça local,  direta e liberal, mal nos conhecemos e estávamos enlaçados. Há quanto eu deixara de ser o rapaz tímido em uma mesa de amigos em uma viagem ao Paraná? Nem mesmo notara quão simples me era para pedir uma garota em namoro. Tempo se não perde. A família dela? Sem problemas, ela afirmou eu poderia levá-la à sua casa enquanto seus pais e irmãos conversavam na saída da igreja.Voltei com a promessa de manter este relacionamento através de cartas, seria algo firme e concreto. Depois dos vinte e cinco anos há pouco espaço para incertezas.
                Ao menos, era o meu pensamento naquele instante. A chegada em São Paulo me propiciou uma leveza ímpar. Por mais prazer eu tenha em passear por outras paisagens fazendo novas amizades. Como o lar, não há lugar. Ainda que você sinta a sua pátria como o mundo, suas raízes sempre estarão mais firmes n'algum lugar. Para mim, esta é São Paulo. Enquanto famosa por sua garoa, foram sempre suas chuvas torrenciais a me fascinar. Chuvas, presente de Deus. A mim, não cabe delimitar os limites de sua previdência, pois que não os há. Foi na casa Dele, noticiei uma presença diferente, e antes de poder controlar. Estava com os olhos magnetizados na saxofonista da banda. Cabelos longos, uma beleza natural. Sem maquiagem, sem disfarces, e me convencendo cada vez mais de que era uma moça ideal. O tempo que passei a observando foi um curto infinito. Congregávamos na mesma igreja, e por isso, ainda que estivéssemos distantes, estávamos próximos. A observei mesmo enquanto meus irmãos e amigos cumprimentavam-me antes de sairmos da igreja. A saxofonista estava acompanhada de, creio, suas três irmãs. Eu a via, e a sensação só seria mais perfeita se a pudesse ter para uma conversa. Coloquei-me a pensar a aproximação.
                Dias depois estava eu, naquela época nem mesmo possuía carro, em meio a uma tormenta, meu protetor era um guarda-chuva. E aí lhe digo: era um guarda-chuva masculino banal, sem floreios ou borrões, sem pétalas ou detalhes. Deixei-o ao lado do grande portal da igreja e entrei para o louvor como acontecia toda a semana. Lembrei-me da promessa de Deus de nunca mais inundar a Terra e censurei-me por tê-lo pensado, afinal, a chuva era forte mas não equiparava-se a um dilúvio. Quando o culto acabou, a chuva não cessara, seriam necessários poucos quilômetros até a minha casa. Noto, o desaparecimento de meu guarda-chuva. Será mesmo, nem na casa do Senhor estava livre de sofrer pequenos furtos? Era um guarda-chuva banal, mas me pertencia. Uma mulher não o confundiria com uma sombrinha rosa. Fui ao encontro do pastor. E lhe comuniquei minha indignação com o caso, ele, muito compreensivo, apaziguou-me e afirmou a disponibilidade de um irmão levar-me até minha casa. Anunciaria, então, no culto da semana seguinte o desaparecimento de meu pertence, com isso, voltei para casa um tanto mais tranquilo.
                Semana seguinte, já mais tranquilo, compareci a igreja. A chuva, tal qual meu objeto na semana anterior, desaparecera. O pastor informou ter feito o comunicado um pouco antes de minha chegada e ao final do culto, eu esperava a manifestação da alma caridosa. E - acreditem vocês ou não - a pessoa que se dirigiu a mim não era senão a saxofonista. Explicou-me o engano que ocorrera: suas irmãs pensaram que  guarda-chuva era de um de seus irmãos, então pegaram-no sem ao menos confirmar. Pediu desculpas pelo infortúnio. "Infortúnio nenhum", respondi polidamente, afinal, o erro de suas irmãs fez com que ela precisasse se aproximar de mim. Não comuniquei a ela, estes pensamentos, eles eram meus e a surpresa daquele contato me deixou muito contente. "O problema" prosseguiu ela "É que como não choveu hoje, não trouxemos seu guarda-chuva, o que faremos?" repliquei não haver problema em pega-lo depois. E se chovesse depois? como eu faria para me locomover? Essas perguntas que eu fazia para mim mesmo enquanto conversávamos foi respondida por ela no instante em que propôs que eu a acompanha-se até sua casa para reaver meu guarda-chuva por garantia. "Claro". Prosseguimos conversando amenidades. O fato de haver possibilidade de conhecer sua família adiantar-me-ia as coisas. Em sua casa, recuperei meu guarda-chuva - que honestamente, deixa de ter importância a partir deste ponto. Ele cumprira sua função e esta foi a razão de eu tê-lo colocado em tão grande estima no título desta pequena, mas importante memória - e passei a conversar um pouco mais com a saxofonista. A proximidade me acalentava. As irmãs dela, nos observavam de soslaio entre risinhos divertidos, elas já haviam notado meu interesse.
                Exagero não seria se eu dissesse que a partir deste momento, parte do meu foco residiu neste passado regido pelo guarda-chuva e a outra parte imaginando o próximo encontro. Aconselho: escolha uma namorada da igreja, moça recatada, séria. De família. É muito difícil errar. Não é o seu caso? Se sua namorada foi da igreja e atendia a estes pré-requisitos e tudo deu errado eram possibilidades também. Regras inexistem neste caso. Importante é sentir fazer sentido. Vale para vocês também, mulheres. Encontram-se bons rapazes na igreja, se sua mãe a força em um relacionamento e não dá certo também é da vida: coisas e causos.  Lembra-me de continuar o meu! A saxofonista me quase escapava na saída do culto da semana. Sem tanto pudor segure-lhe pelo braço, suas irmãs cúmplices de meu pensar apressaram o passo para propiciar um momento a sós.  "Estou gostando de você e adoraria tê-la como namorada", não foram essas as palavras que eu dissera naquela hora. Quero apenas registrar que foi direto. Tão direto quanto alguém respeitosamente poderia ser. Como seria? "Você terá que falar com meu pai, se ele aceitar..." Costumes carregados até o fim dos anos oitenta. Se você estiver a ler estas palavras nos anos dois mil provavelmente achará esquisito. "permissão dos pais". Eu não achei e prossegui com ela até sua casa para resolver o caso o mais rápido possível. Os bigodes de meu futuro sogro me lembraram por alguns instantes um coronel em uma novela de época. Poderia ser também a autoridade daquela figura. Para este relato, importa a pronta aceitação da parte dele, desde que seguíssemos algumas regras, a saber: estaríamos sempre sendo observados. Poderia conversar com sua filha no portão até as 22h pois que ela trabalhava. Ele delimitou também alguns dias específicos para estes encontros. Aceitei a tudo sem muito alarde, não convinha desagradar ao pai naquele instante, tampouco nos próximos! Prosseguíamos em obediência.
                Tão logo estávamos prestes a iniciar o namoro de forma séria, confidenciei à garota uma situação que até então eu esquecera: minha namorada em Macaé! Rapaz! Ou moça a ler este relato. Naquele instante não soube se aquele olhar era de raiva, de riso ou misto. Poderia também ser de alguma emoção não catalogada. Teria ela pensado na canção de Luiz Ayrão "Se ele faz com ela vai fazer comigo?" Era apenas surpresa? Ouvi um contrariado "Você também, viu?" Sem pestanejar corri à cidade maravilhosa para fechar as pontas. "Mas, o que houve?", "Qual o motivo?", expliquei a situação rápida e detalhadamente - se há maneira de fazê-lo encontrei - a carioca compreendeu tudo. Não fosse o caso eu nada poderia fazer. A volta para São Paulo significava poder viver por perto da saxofonista. De que mais eu precisaria?

                                                                   FIM

P.S: À vocês, tradicionalistas que desaceitariam o fim da história com minha volta - aos que aceitaram a falibilidade da vida e das narrativas afirmo: tome o fim como definitivo e esqueça ter começado a ler este adendo -  relatarei os acontecimentos ocorridos depois de meu reencontro com minha querida saxofonista:
A obediência cega ao pai dela prosseguiu e com o passar, quem não apreciou muito estas regras foram os meus pais. "Onde já se viu um homem com mais de vinte e cinco anos precisar ser pajeado? É muito século passado isso, você é um rapaz honesto filho, e a filha dele também já é maior de idade" Entre outras, ouvi frases como esta. Certos, meus pais estavam. Tanto que até mesmo minha namorada concordou com eles. É coisa dos melhores romances, uma rivalidade entre famílias, pequenas exaltações. Os pais dela desgostaram esta atitude. Quando se é superprotetor, enlaça-se aos filhos de tal maneira! Depois de vinte anos é difícil uma separação pacífica. Vinte. Estou falando há uns vinte minutos não? Certo, prosseguirei"

                                                        ***

Oh ironias! Anos depois, a carta que conservara a narrativa estava incompleta. Houve tempo em que semelhante relato despertaria em mim a crença no amor. Tal engano com o guarda-chuva era parte de um plano superior, quase uma prova da existência de Deus, onipotente em seus desígnios a reunir os filhos perdidos para fins maiores que a procriação. Seria a anulação de Schopenhauer suas colocações acerca do amor? falácias, talvez até adquirissem um valor cômico para o grande filósofo no pós-morte em que caminha ao lado de Goethe e Hemingway. Não seria hoje. Quando parti pela cidade a indagar que acontecera com o narrador da história sou surpreendido com a informação de que fora preso por assediar mulheres. Mencionaram algo acerca do artigo 216-A, eu já não estava a prestar atenção, todavia. Lembrei-me de quando este homem pedira para eu redigir sua história que seria um presente para a esposa, um brinde pela longevidade da relação. Encontrei até mesmo o endereço dela em um diário antigo. Alegrei-me por nunca ter remetido o texto à tal saxofonista. Me não tornei cúmplice, criador de álibis para fidelidades imaginárias.

quarta-feira, 24 de maio de 2017

Pode Ser

"Deixe-me falar de cidades. Não da nossa, onde você e eu nascemos, mas de outras, desconhecidas. Existem no mundo cidades de todos os tipos, realmente. Cada uma com suas particularidades incompreensíveis, e são elas que me atraem." Caçando Carneiros, Haruki Murakami

O altiplano arujaense banhado de sol


Pode Ser (2011)

Não me pergunte o endereço
Pois que dela sinto apreço sem saber
Ela também não sabe o meu
Mas a cidade é nossa e nada se perdeu
Além de palavras
Que penso saber usar
Pra ter tua atenção
Meu milagre secreto

Pode ser que eu esteja a escrever
Palavras e harmonias de outro alguém
Que suceda sem se perceber
Transição de estações em um trem

Não me pergunte o endereço
Pois que dela sinto apreço sem saber
Ela também não sabe o meu
Mas a cidade é nossa e nada se perdeu
Além de palavras
Que penso saber usar
Para uma canção

Pode ser que eu não escreva mais
Veja as palavras a fugir
Pode ser que eu nem cante mais
Presencie, da minha voz, o fim
Pode ser o vento a levar embora esta canção
Pode ser que ela chegue até você

                  Trecho de entrevista concedida a Jorge Luís Barros em 2011:

Jorge: Ninguém soube deste projeto? Digo, alguém ouviu as músicas, leu as letras antes, Estela estava ciente?
Thales: No princípio a ideia era fazer uma surpresa geral, entretanto, acabei por não resistir e enviei algumas letras em sms. Garantia de ser ela a primeira a ler. Mesmo eu não tendo o feedback na hora, se ela sentisse-se bem com as mensagens, as músicas dariam certo. Por isso enviei E.C.S., Pode Ser, Mosaico de Estrelas. Lhe Escreveria eu já enviara anteriormente, era parte de um sms chamado ‘poema extremo’. Quando as músicas estavam prontas enviei a ela. Sentia vontade de passar o mp3 “Você poderia ver se gostou?” mas não. É um conceito fechado. As músicas devem formar um conjunto. Ao menos numa primeira audição. Por isso tentei fazê-lo curto. Para caber no tempo dela.

                                                                   ***

         Uma canção tem um prazo de validade? Me pergunto isso quando alguém me diz para trabalhar as composições de uma maneira comercial, que fique claro, não é falta de vontade - ou curiosidade - de saber como seria uma versão bem acabada delas. É, por vezes, uma questão de sentidos. Talvez, a validade dessa letra, fora do contexto, não diga nada a ninguém. Se na ocasião da composição havia um não-saber de endereços, pouco tempo depois isso caiu por terra, naturalmente. E então? Uma incerteza simples paira pela canção. Há a tentativa na letra de progredir com o tema, à exemplo da forma como Vitor Ramil conduz algumas de suas letras. A melodia se repete mas a letra vai recebendo pequenas alterações. Há versos mistérios até para mim: "o milagre secreto" é título de um dos contos de Jorge Luís Borges, li naquele período e me causou forte impressão. Se o segredo da criatividade é saber esconder suas fontes, não sou criativo. Novas canções sob o mesmo ideal? entre os dias 21 e 23/05 ensaiava "Pode Ser" e vi surgir outra canção O Princípio da Incerteza. Fica para outro dia. A cidade não mais é a mesma. Vivemos um conto de duas cidades.



quinta-feira, 18 de maio de 2017

Do Amor de Outrem

Dando rosto aos nomes
“Song wise, I don’t even mind writing a bad song, or a silly song, or a song that I don’t want to play today. It made sense at that moment. If it’s a song and we worked on it, I have love for it. So [I] very little regret about songs, even if they’re not good, or there’s something I never would want to play together, I remember why we wrote it, when we wrote it, it had a purpose.” Anthony Kiedis in an interview for ET Canada, 2016
Do amor de outrem (2012)

Ele escrevia a falta
Do que não possuía
Ele idealizava 
Um amor que não havia
Eram cenas de cinema
Desfundamentadas do mundo real
E ele notou quando pôs-se
A sua frente uma mulher
E o tempo parou

Ele desconfiou do clichê
Aos poucos se deixou envolver
Se o destino quiser que escreva

Pois ao vê-la perto ele percebeu
Com clareza que a falta desvaneceu
O sorriso dela o fez imaginar
Que o presente era tudo que havia;



           O tempo. Receio repetir as referências, as histórias. Há um ponto, no entanto, bom para constar no arquivo do blog. Existe ao menos a intenção da canção de refletir algo/alguém/alguma coisa. "Do Amor de Outrem" é praticamente uma continuação de Falta. Dessa vez, influenciado por conversas com o autor da letra supracitada. A "falta" era a força-motriz para a redação de poemas. Musiquei dois deles, um foi O Tempo Passado que deu nome à coletânea de demos de 2010, da qual faz parte a canção Desejo de um Rio. Quando ele conheceu Muriell essa necessidade de traduzir as inquietações diminuiu, os versos se tornaram escassos. A poesia reside na vida e na convivência. Quanto tempo já faz isso? Havia um retrato de como enxerguei esse momento nos idos de 2012. O presente é tudo o que há. Neste 2017 faz mais sentido. Que as mãos entrelaçadas na vida continuem ressoando para além do amor.




         To a certain extent this song is the spiritual sucessor of Falta. If Mr. Anderson wrote about "a void" his life changed when he met Ms. Muriell. Some can say when you're happy there's not a reason to write and maybe they're right. The major example may be that of singer-songwriter Tucker Crowe. Best known for his song You and Your Perfect Life after a long hiatus his last work was considered too happy for some die-hard fans. Is this song happy? It starts with an E major so at least it was a conscious thing. Sometimes I remember Pearl Jam version of Soldier of Love. As a matter of fact I was trying to do something like Marcelo Camelo's Tudo o que Você Quiser. This translation tries to capture the meaning ignoring rhymes and other stylistic devices as the use of words as "desfundamentadas" (groundless) I had opted to "never grounded in reality". "cena de cinema" could be "movie sequences" and yet silver screen makes a homage to Anthony Kiedis.


About the love of others (2012)


He used to write "the lack".
Of what he didn't have.
He idealized a love
That was not there.
Living silver screen scenes
Never grounded in reality
And he noticed when
"the woman" came close by
And time stood still.

Although it seemed cliché at first
He got carried away.
If Fate is involved? So be it.

When he saw her, he realized,
The lack was gone.
Her smile made him feel
Today's all there is

"Quanto às músicas, eu não me importo de escrever uma música ruim, boba ou uma que eu não queira tocar hoje. Fez sentido naquele momento. Se é uma música e nós trabalhamos nela, eu tenho amor pelo resultado. Tenho pouco arrependimento acerca de músicas, mesmo que não sejam boas, ou que haja algo que eu nunca iria querer tocar novamente, eu me lembro a razão de termos composto, quando compomos, havia um propósito." Anthony Kiedis em entrevista para a Entertainment Tonight Canada, em 2016.
Um dos poucos registros de uma letra de 2012.

quinta-feira, 11 de maio de 2017

Mar de Mim

"Subindo colinas arenosas, haviam chegado ao labirinto. Este, de perto, pareceu-lhes uma direta e quase interminável parede, de tijolos sem reboco, pouco mais alta que um homem. Dunraven disse que tinha a forma de um círculo, mas tão extensa era sua área que não se percebia a curvatura. Unwin lembrou-se de Nicolau de Cusa, para quem toda linha reta é o arco de um círculo infinito..." O Aleph, Jorge Luis Borges
                 




Mar de Mim (2011/2017)

Busco no som
A simplicidade do Ser
A possibilidade de
Estar bem, sem estar
(A) Incerteza com

Que eu anoiteço sem saber
Distante de todo e qualquer lugar

Sensibilidade nas folhas
Brancas e marcadas
O que de olhos abertos
Não posso ver

Pequena! Amo, logo sou amor inteiro
Vem, mergulhe nesse inexplicável
Mar de mim

Cidades são
Âncoras, e as vejo crescer.
Deserta, a praia torna-se um lar
A melhor paisagem:
Nossos risos entre as águas
Ondas circulares
Espelham o sol

I - Nunca breve nem conciso

         "Há de convir. Todo o processamento passa apenas de fantasia, delírios imaginativos. A imaginação fértil é um campo de maçãs argentinas.

O falso saber, é constituído de informações selecionadas ao acaso e pré-julgadas. Não muito mais que isso. Portanto, no momento em que Sócrates afirmou nada saber, mostrava-se ele à par desta verdade. Já Platão, com seu método da caverna, revela estar limitado pelo próprio ideal, uma vez que, o fato de ver de onde vem as sombras nada mais é que colocar-se ao meio de novas ilusões. Fato. Meus estudos conduziram a essa ideia. Ao conversar com um estudante de engenharia mecânica estou em uma caverna: dependo de sua interpretação, de sua convivência acadêmica. Não tendo eu o conhecimento teórico pertinente à Engenharia estaria apenas a ver sombras desta modalidade. É preciso escolher as sombras em que viverá." 2011

II - Apenas um retrato impreciso

         Elpídio percorria todas as semanas longas distâncias para estar em contato com a guitarra. Por vezes partia de Pernambuco, da casa de madeira do ruivo. Era estar dentro de uma cálida caixa acústica vibrante em ideias. Outras, preferia partir do Piauí.  Morada de um dos Pretos que conhecia. Só quem se chama para dentro de casa entende esse jeito de falar. É um instinto "estou contaminado de amizade"; ora! Não se diz da amizade que se 'pega'?. Longe era lugar inexistente. Diferente dos mais de seiscentos quilômetros do cotidiano. Absorção, frequência, transmissão. Acústica sem canção. Isso é a vida.

III - Menecma

         Há sósias nossos espalhados pelo mundo. N'algum lugar do Alto Tietê, talvez até mesmo na cidade de Arujá, há um grupo de pessoas se encontrando agora e definindo que no dia seguinte haverá um show em algum lugar da Av. Amazonas. Um deles, pelo menos, vai reclamar estar muito em cima da hora... Eles, os sósias, não sabem de nós. Divago!



         Este trecho de canção estava perdido em meu moleskine desde 2011. Ou muito me engano ou encontrei com Fabio no ônibus, coincidências precisas? Cada um em sua faculdade. A conversa se alongou até chegar à sua casa. Ao teclado, ele me mostrou essa melodia cantando o que já possuía. Me lembrei, por alguma razão harmônica, em Robot Boy da Linkin Park.
       Veio fevereiro deste ano e, no concurso do Sindicato Vanguart, as sugestões de Fabiana Nascimento para o título ficaram na minha cabeça: mar de mim, mergulho no inexplicável e amo, logo, sou amor inteiro. Ruminei essas ideias. Elas soavam ternas para um refrão. Das perguntas avulsas que fiz à Fabio, soube sua palavra favorita. Pequena. Assim como sua relação com a Praia do Moçambique... Foi apenas no início de abril, preso no ônibus-arca, cercado por 53,4mm de chuva que surgiram os versos da estrofe. Até para algumas canções, nascer leva tempo.

sexta-feira, 5 de maio de 2017

Se ela não Amanhecer

E em algum lugar de 2013:


Não restará na noite uma estrela.

Não restará a noite. 

Morrerei, e comigo a soma 
Do intolerável universo. 
Apagarei as pirâmides, as medalhas 
Os continentes e os rostos. 
Apagarei a acumulação do passado. 
Transformarei em pó a história, em pó o pó. 
Estou mirando o último pássaro. 
Deixo o nada a ninguém.

O Suicida - Jorge Luís Borges


"Sweet desires and soft thoughts return to me..."

K - Bom dia. É assustador ver um e-mail que fale do seu ontem e me traga um "suicídio". O meu hoje não poderia fazer nada a respeito. Já pensou nessa situação? Se amanhã eu simplesmente morresse?
T - Em resumo? Pra ser sincero eu já pensei nisso, não me lembro em que situação.
Nós conversávamos e você não estava muito contente. E através de palavras e silêncios nunca podemos quantificar como a pessoa está, de fato... É inquantificável, pois, você seria a primeira pessoa com quem me importo a morrer em minha vida. O estranho é que através da tecnologia somos amigos próximos. Por nossa distância na realidade eu me pergunto quanto tempo levaria para que a notícia chegasse a mim, depois de uma semana? Quando eu decidisse ligar para seu celular?! Em posts de suas amigas e amigos de longa data, que tornariam sua página do facebook um mausoléu? Seu face estaria presente? você não gosta de rastros poderia fechar a conta. Se você morresse de suicídio 
Provavelmente apagaria o máximo de informações para que sumisse com todas elas. 
Penso em O Dia Nunca Igual e na frase ambígua: "Atira-se ao Rio". Quando ouvida o Rio é apenas rio. Se o fizesse estaria com seu celular, o que impediria que a ligação chegasse. 
Sem cartas, sem notas, não um pedido de socorro. Não uma forma de chamar a atenção... 
Se você simplesmente morresse, sem intenção, seria uma fatalidade. Minhas palavras nadam no abstrato buscando uma objetividade que não virá. Se você morresse amanhã eu sentiria sua falta de uma forma que desconheço. Sempre que você desaparece eu sei que tem uma razão, eu sei onde você 'está'. Se você morresse não mais estaria. 
Estaria em mim e em nossas conversas longas e curtas por e-mails whatsapp, msn, Facebook. Em nossas conversas pessoalmente. Em suas partidas apressada da sala. 
Nos poucos momentos em que a vi usar seus óculos, na única vez que encostei em seus cabelos. Se você morresse amanhã eu sentiria sua falta, não pela parte minha que morreria em você. Mas por quem você é e seus pontos de vista únicos, por seu amor pela França 
Pelas poucas palavras em francês que a ouvi pronunciar... 
Ao mesmo tempo eu não estaria revoltado com você. Sei de sua decepção com a humanidade, suas dúvidas de como nos tornamos lixo. De como tudo é um amontoado de ações sem sentido sem a existência de liberdade. De como você também tem frustrações quanto ao que sente vontade de fazer.

E a forma como você escolheu prosseguir por sentir que crises causam mais mal do que a vida por si só. Por um lado, haveria o significado. Como em Alvares de Azevedo "A dor no peito emudecera ao menos". E saber que a dor havia passado, que sua angústia havia findado. Isso não compensaria, mas seria o sentimento de "eu a entendo, pelo tempo que podia ela prosseguiu até que a situação não mais admitisse meias-medidas e materializasse a coragem para uma medida definitiva". Outra palavra estaria comigo também: "quase". Eu teria a impressão de quê poderíamos fazer muitas coisas juntos.
E quase fizemos.
K - Gostei tanto da sua “definição” da minha morte que deu vontade de torná-la real só para fazer suas palavras terem “sentido” (?) rs
T - O cérebro funciona de uma maneira estranha, não? escrever aquele e-mail minou minha animação, acho que mergulhei tanto na busca da definição que uma parte minha interpretou como realidade.
K - Calm down...I’m alive! : )



Se ela não Amanhecer (2013)

Se ela não amanhecer
Quanto de mim vai com ela?
Quando eu olhar da janela
Por que estará lá o sol?

Quanto será quase?
Quanto será se?
Haveriam rastros pra seguir?
Com a humanidade
Uma decepção
"Nunca mais meias medidas"

Se ela não amanhecer
Quantos daqui vão julgá-la?
Quando o que ela buscava
Era estar livre e só

Quanto será fase?
Quanto sabe-se:
Pela minha vida vai seguir?
Com a poesia
A sublimação:
Achou a paz que queria

"De onde vem a canção?"