sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Kafka à beira-mar

"Kafka à Beira-mar contém uma série de enigmas, mas não provê soluções. Em vez disso, diversos desses enigmas se combinam, e por meio de sua interação a possibilidade de uma solução toma forma. E a forma que a solução tomará será diferente para cada leitor. Para colocar de outra forma, os enigmas funcionam como parte da solução. É difícil explicar, mas esse é o tipo de romance que eu me disponho a escrever." Tradução de trecho de uma entrevista originalmente publicada no site do autor.
Haruki Murakami (Divulgação)
        Faltam poucos minutos para o fim do dia 12 de janeiro. Aniversário do autor Haruki Murakami. Me pego a pensar: que eu tenha lido um autor japonês pela primeira vez apenas com vinte e dois anos me é até estranho. Tendo o primeiro contato com obras nipônicas por meio dos animes da finada TV Manchete e o contato com a cultura japonesa por meio da proximidade com a instituição religiosa Perfect Liberty na infância, talvez eu devesse ter buscado esse tipo de leitura antes. Certa vez passava pela LIvraria Cultura à procura de algo distinto e me deparei com essa capa:
Edição da Alfaguara, exemplo de um belo projeto de design gráfico.
         Nunca ter ouvido falar em Murakami, naquele momento, me fez pensar se tratava de um ensaio relacionado à Franz Kafka. Algo como qual seria a influência em sua literatura caso vivesse num local mais ensolarado - afinal, sabemos o que Meursault foi capaz de fazer por conta do sol. Qual não foi minha surpresa ao me deparar com uma narrativa que misturava corvos, profecias edipianas, universos paralelos, pessoas que conversam com gatos e até mesmo Johnny Walker e o Coronel Sanders (!). Esse último se tornou ainda mais relevante, pois, recém inaugurado o Mooca Plaza Shopping em São Paulo, era um dos poucos locais na cidade em que se podia encontrar um KFC então criava um senso de proximidade com a personagem histórica.
     Indo além, conhecer o "garoto de quinze anos mais corajoso do mundo" inspirou reflexões de um passado de tempestades em copo d'água - tá na cara, que esse copo é meu e é minha a tempestade. - tão simples se identificar com esse tema. O livro carrega intertextualidades que nunca me abandonaram, tais, responsabilidades tem início em sonhos, de Yeats. Um dos pontos da leitura a que mais detive minha atenção foi a canção composta pela Srta Saeki que carrega o mesmo título do livro. Uma canção descrita como capaz de comover muita gente. Aos dezenove, uma tímida garota interiorana pensa no namorado distante e escreve um poema, depois compõe uma melodia para si mesma. Buscando aquecer o próprio coração... quantas vezes me vi no lugar dessa personagem? quantas vezes quis ser eu mesmo a compor uma melodia para tal poema? Perdi as contas.
       Ainda eu não toque piano, o ponto mais forte para me impedir de tentar compor a melodia descrita no livro são os dois acordes existentes na transição de temas. Nunca me decidi como soariam. Até já encontrei no YouTube vídeos de pessoas que se lançaram ao desafio e compuseram melodias sólidas. Mesmo assim, ainda queima a esperança de que um dia, seja eu a alcançar meu próprio ideal estético para essa canção. Murakami teve um insight de que poderia escrever aos vinte e nove anos. Ainda tenho tempo. Ele está apenas quarenta e um anos na minha frente (#41). Que venham mais livros, e muitos anos de vida!

Kafka à beira-mar (2002)

Você se situa na beira do mundo
E eu, na cratera de um vulcão extinto;
E em pé à sombra da porta,
Perfilam palavras cujas letras se perderam.
Lagarta adormecida que a lua ilumina,
Peixinhos que chovem do firmamento,
E do lado de fora da janela
Soldados de espírito decidido.

(Refrão)
Numa cadeira à beira-mar, Kafka
Pensa no pêndulo que move o mundo.
O ciclo espiritual se completa,
E da esfinge que não vai a lugar algum
A sombra em faca se transforma
E trespassa seus sonhos.

Os dedos da menina que se afogou
Tateiam e buscam a pedra da entrada.
Ela arrepanha a barra do vestido azul
E contempla Kafka à beira-mar.

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