quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

A Primeira Paixão

Foto: Renata Custódio
Eram girassóis, seus olhos.
E parecia que não mais olhariam para mim.
Aos treze, a aprovação dos colegas de classe parecia conduzir a metade de mim desinteressada pelas descobertas. Claro que a indignação da moça perante minha, suposta, brincadeira não havia passado pela minha cabeça. Mas deveria.
Nos conhecíamos pessoalmente desde a 6ª série, no ano anterior, e, até então, cultivávamos uma amizade baseada na consonância de nossos gostos por seriados norte-americanos, música estrangeira e livros.
Digo pessoalmente, pois, seu nome sempre fora mencionado pelos professores.
Ela tinha as melhores notas da classe, além de desenvoltura em público e, além disso, dançava jazz, balé e dança do ventre.
É bem capaz que eu não tivesse percebido o quanto ela fazia parte de minha vida. Então, bem mais que as aulas, meu objetivo passou a ser ter as palavras dela de novo. Mas como? Dias passavam sem que nenhum de nossos colegas em comum a demovesse da ideia de me ignorar. As amigas dela tampouco tinham interesse em interceder em meu nome. Aqueles foram dias em que descobri uma agonia que contagiava cada um de meus passos, até o momento em que decidi escrever um e-mail para ela pedindo desculpas e explicando como sua falta era sentida. E seria sempre. Por mais distante ela estivesse, meu pensamento seguiria firme na tentativa de criar laços telepáticos.
Quinze anos depois, eu não lembro quanto tempo remoí aguardando uma resposta. “Não te desculpo, é melhor fingir que eu não existo.” Era o que pensava estaria escrito, quando, finalmente o minúsculo envelope surgiu na caixa de entrada. Fiquei chocado no momento em que tomei coragem para abrir aquela carta virtual. Ela era breve e dizia não poder se prolongar. Ela viajaria no final de semana e quando voltasse deveríamos conversar.
A frase que me petrificou, no entanto, era outra. Quatro palavras inesperadas: Estou Gostando de Você.
“Nem de longe” Pensei. E fui ficando aflito. Ela já havia namorado. Eu, até onde lembrava, só tinha idealizado umas duas relações na vida e a coragem para tirá-las da esfera platônica não havia me acompanhado. Eu sentia o mesmo por ela? Gostava quando fazíamos trabalhos escolares juntos, ela escrevia e eu desenhava os projetos. Era uma forma de união, certamente. Aquela vontade de ouvi-la, paixão era isso? Considerando a importância que eu atribuía a ela, não demorei a concluir que sim.
A paixão me acompanhara na vontade que eu sentia de poder conversar de novo. Na prática, porém, isso não facilitava as coisas.
“Os meninos” não deveriam ser hábeis nestas questões? Talvez, todos eles eram dados a bravatas quanto ao que já haviam feito, ao que conheciam. Eu não ficava atrás, e, já havia contado vantagem de uma namorada imaginária, estudante de outra escola. Tinha medo de como seria essa fachada caindo. Por certo, ela seria capaz de notar a inexperiência.
Na segunda-feira após o e-mail, me lembro que ela ficou parada na porta conversando comigo quase de perfil até que um colega gentilmente me explicou que ela esperava um beijo no rosto. Mesmo os protocolos mais simples diante de uma garota me eram estranhos. Ainda assim, poder partilhar de sua companhia novamente tornara as aulas muito mais vívidas. Nossa primeira ação foi unir as carteiras escolares lado-a-lado. Naquele mesmo dia, ela entregou uma carta em que explicava que o período de silêncio a fez ver um lado carinhoso que eu normalmente escondia.
Cada uma das linhas daquela carta me deixava tremendo de expectativa, mesmo depois da terceira leitura. A folha de papel dobrada em três, num pequeno retângulo me fazia de tempos em tempos sair de dentro de casa para reler – um dos males de ter um quarto sem portas – e, em dado momento, chamou a atenção de meu pai que se prontificou a ver o que eu estava escondendo. Envergonhado por precisar mostrar algo tão íntimo e precioso, fiquei sem jeito quando ele indagou o que eu tinha nos bolsos. Ele desdobrou a folha, e, já na primeira linha se deteve e respeitou minha privacidade apenas brincando “Vi apenas o Dear Thales… avise a moça que se começar em inglês, é melhor continuar a carta em inglês.”
Minha ansiedade crescia na expectativa de que algo era esperado de mim. O receio era tanto que em algumas aulas eu andava mastigando pequenas pimentas dedo-de-moça, evitando, assim, ter um beijo roubado. Até o dia em que combinamos participar do conselho de classe. Era um pretexto para estarmos no mesmo ambiente sem a pressão do expediente escolar.
Tão logo pudemos, pegamos a primeira direita do portão da escola e nos aproximamos de um canteiro nos fundos do maior hospital da cidade. As flores e a vegetação irregular lembravam um jardim. Quais eram nossos assuntos naqueles momentos? Havia antecipação para assistir à Matrix Reloaded, lançado na semana anterior, mas isso não era tão importante quanto o instante em que minhas mãos tremulas a puxavam pela cintura e eu a vi cobrir os girassóis para nosso beijo, seguido de outro e mais um. Nada naquele dia me fez vibrar de maneira tão concreta. Era dar um salto no escuro e tropeçar em nuvens.
Algo em mim havia mudado, era possível perceber, pois, naquele mesmo dia assisti à transformação de Goku em um super saiyajin 4 pela primeira vez, algo esperado ao menos por quatro anos, e tudo o que eu pensava eram aqueles beijos. Aquela moça e em como a vida seria eterna dali para frente. Fosse numa troca de cartas, fosse em inventar pequenas mentiras para que passássemos o tempo depois da escola juntos, fosse correndo atrás de seu ônibus para aproveitar mais de seu perfume e presença, fosse tocando canções de nossas bandas preferidas pelo telefone. Pudemos viver essa intensidade por um par de anos. De alguma maneira, os resquícios desse sentimento nunca saíram de minha memória. Tanto que, quando tinha dezessete anos, ocupava meu tempo ocioso lembrando daquela moça e escrevendo poemas para ela, ainda que estivéssemos distantes.

(Texto escrito originalmente para uma promoção da Editora Intrínseca)

P.S.: Para saber mais acesse Um Conto no Jardim ou Para Ela.

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