terça-feira, 30 de agosto de 2016

Roberta Campos: Todo caminho é sorte (Sesc Carmo)

"Pense em algumas de suas canções favoritas. Já tentou imaginar como elas nasceram? Em quais circunstâncias, em que ambiente e sob quais inspirações surgiram? Eu costumo fazer isso frequentemente. Talvez pelo fato de também compor, fico a imaginar em que estado psicológico e em que paisagens outros compositores se encontravam ao escrever suas músicas. Assim, quando ouço uma canção que me agrada, logo tento me transportar para a mente de seu autor na tentativa de banhar-me um pouco na criatividade alheia." Jair Oliveira, Sambazz p.20
          Chegar a uma apresentação em que não se conhecesse o repertório pode criar a sensação indefinível de não saber o que esperar. Confesso que, excetuando Amiúde e De janeiro a janeiro, não me lembrava de ter ouvido as canções de Roberta Campos. Sabendo que Helen é uma grande admiradora dopa trabalho da cantautora mineira tratei de conseguir um par de ingressos para esta noite, já no fim de agosto. Para minha sorte conhecer suas músicas ao vivo foi ter a oportunidade de me sentir flutuando em ternas nuvens.
       Os instrumentos no palco sugeriam uma apresentação intimista, o violão acompanhado pela voz sempre causa esse efeito, ao mesmo tempo demonstra a força das canções em seu formato mínimo. A apresentação começa com Ensaio sobre o amor o público a acompanha, fiel. Como construísse uma narrativa entre cada ato, Roberta, agradece o convite recebido pelo Sesc para realizar o show em um dia tão especial. A felicidade real da artista foi seguida por Casinha Branca. Em Aqui, Ali ela canta a partida da solidão. "a vida me fez para ser feliz". Em seguida, ela explica a razão da felicidade no dia: uma das canções de seu último disco é a abertura de Sol Nascente, a nova novela 'das seis'. Ela entoa Minha Felicidade como um mantra para gerar a energia a todos que estejam precisando. Um dos maiores orgulhos para um artista é ver sua música chegando ao maior número de pessoas e a novela será esse estandarte mais uma vez.
       Tendo o repertório em mãos, noto que Amiúde foi riscada em favor de uma música que ela não tocava há algum tempo. Felicidade, de seu álbum Varrendo a Lua (Deckdisc, 2010). Deixando o violão de lado, empunha a guitarra e apresenta o momento rock 'n' roll com sua faixa favorita do álbum lançado ano passado: Libélula e sua doce declaração "Me leva com você/Um doce suspirar na curva/Não dá para esquecer/Pois tudo que eu olho tem você." Antes de mais um rock, ela narra a história de uma composição que fez com a paulistana Nô Stopa. "A Nô me mostrou a letra e faltava um refrão, assim que ela foi embora fiz uma melodia e fiquei super empolgada para mostrar, quando tive oportunidade ela ficou meio: - a melodia ficou bem bonita, mas ela já tinha uma." Risos de todos na platéia. A mineira continua que essa é a razão de Sinal de Fumaça possuir duas melodias diferentes, ainda manifesta o interesse de realizar, eventualmente, mais shows em parceria como realizaram o Da cor do vento. A composição termina com a homenagem ao U2 com versos de With or without you. 


        Novamente de posse de seu violão é a vez de Diário de um dia. Depois, levemente arruma seus óculos, afina, rapidamente, o instrumento para anunciar que, na gravação da canção seguinte, teve o prazer de cantar junto a Nando Reis. De janeiro a janeiro e na ausência do ruivo, o público da sinais de que poderia cantar até o mundo acabar. Roberta narra que certa vez estava em Brasília para realizar duas apresentações. Chegou um momento ocioso e ela pegou o violão enquanto sentia saudade de todo o mundo. A janela do quarto de hotel era de madeira, como uma moldura das entrelinhas do horizonte. Não passava nem vento em seu Porta Retrato. Depois surge o blues E eu fico em que os sonhos pintados nas paredes ficaram para trás. Com acordes que remetem a um ukelele vem Mundo Inteiro. A cantora explica que a canção seguinte sempre pensou ser de Milton, e, um dia, descobriu se tratar de composição de Lô e Márcio Borges. Quem sabe isso quer dizer amor. Lembrei de um caso parecido que me acontecia quando ouvia Um girassol da cor de seu cabelo crente de que era uma composição da Nenhum de Nós.
        Ela transporta o público para Minas Gerais quando conta que nos anos noventa enviou uma carta à Pato Fu falando sobre suas composições e como gostaria de mostrá-las a eles. Fernanda Takai respondeu a carta à mão afirmando que ela poderia mandar. Roberta ficou tão feliz com o contato que nem respondeu. Anos depois pode acertar contas com o passado quando pegou amizade com o baixista Ricardo Koctus e em seguida com o restante da banda. É a vez de Abrigo, composta com Takai. Muito gentil, a cantora agradece a presença de todos, afirma que o sonho de viver de música só se torna possível por ter pessoas que acreditam e curtem o som, e que espera que todos possam se reunir mais vezes. Com Pra morrer de amor ela se retira por instantes. Chega a hora do bis.
            A artista não precisa pedir ao público que entoe os versos de Marinheiro Só. Que dá lugar a Pro dia que chega. Vem a confissão "Ainda não tinha dito mas dediquei esse show ao Vander Lee que nos deixou há pouco tempo." como que enviando energias o público cantou baixinho com Roberta, Iluminado. Roberta agradece então ao Sesc, toda sua equipe e ao público. Conta que, não faz muito tempo, seus amigos a levaram ao karaokê. Ela convida o público a  acompanhá-la em Varrendo a lua. Ao fim do show ela realiza uma selfie com o público para o Instagram e o Spotify. No meet & greet depois que Helen consegue o autógrafo de Roberta, me aproximo dela e não resisto a perguntar algo que me representa uma busca pessoal: "Como você compõe canções tão alegres?". Ela sorri replicando "eu não sei". A busca prossegue. Os caminhos da suave voz de Roberta são repletos, sim, não de sorte, de talento.

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Segredos em sussurros

"A leitura é uma atividade estritamente vinculada à totalidade do indivíduo, aquilo que ele é e vive, ao seu projeto atual. Ler é ter escolhido buscar alguma coisa, privada desta interação, a leitura não existe. Ler é encontrar a informação que se escolheu procurar, e por isso a leitura é por natureza flexível, multiforme, sempre adaptada à busca." Jean Foucambert
         A garagem até o momento não se manifestara, o som se propagava e confluía. A natureza acústica em sintonia. Todos os presentes alheios aos acontecimentos que a garagem intuía. Ele assistia quieto. Sentado no amplificador olhava abismado para os amigos. Na praça, à frente da garagem até mesmo as folhas receavam pousar na grama desigual. No princípio não havia nada. FIAT SONITUS! "Estavam eles trabalhando a canção previamente? De quem fora a decisão?" Uma série de perguntas e talvez ele as fizesse a si mesmo para sempre. 
         Quem foi que disse que 'a beleza reside no mistério e não na elucidação'? Sei que Dave Matthews já dizia nos olhamos a imaginar o que o outro está pensando, mas nunca dizemos nada e esses crimes entre nós se aprofundam ...percebeu que divagava outra vez. Foco. Não era hora de devaneios! Não faziam muitos dias estavam tocando Fátima. Por conta disso, quando em 2010 tive a oportunidade de conhecer pessoalmente os integrantes do Capital Inicial quando lançavam Das Kapital agradeceu a influência. 


         A dinâmica estabelecida para uma canção específica cristalizou-se. A primeira composição autoral pode dizer muito, pode ditar os rumos do que ocorreria dali a diante. A mim surgiu como uma confirmação de que era possível, sim, criar. Em 2003 eu imaginava gravar uma carta em áudio, cantando uma série de letras poéticas. A porta dos meus quatorze continha segredos. Agora estava eu quatro anos depois enxergando como isso poderia se desenhar. A melodia de Fabio era bem resolvida, o refrão possuía vocalização que a distinguia. Além disso Bruno conseguiu traduzir, em letra, uma série de inquietações em que também me via. A criação deles seria, então, um norte pessoal.
         Há quem diga que existem idades em que não se tem consciência dos atos e feitos, nunca concordei e isso talvez tenha herdado a culpa católica por erros, menores que sejam. Queria a liberdade de que ele falava, estar para além dos arrependimentos. Época de nuvens negras a se desfazer. Ou não. Há mais felicidade em dar do que receber. Novamente a sensação... segredos de liquidificador... Cada variação de acordes, o deslizar dos dedos no braço do violão, tateando o esperado solo, erros e acertos numa construção que desafia a física. Sublimação.

Segredos em sussurros (2007)

Novamente a brisa em meu rosto
Novamente a sensação de prazer
Simplesmente a liberdade
Simplesmente minha vida

Posso agora até ouvir falar em Deus
Ainda poderia suportar
Ultimamente só penso nisso
Lado a lado com o perigo
Alma puramente imaginária

Só existem sussurros
Gestos mínimos fazem diferença
A diferença é oposta ao medo
Meu medo fala de você

Posso agora até ouvir falar em Deus
Ainda poderia suportar
Ultimamente só penso nisso
Lado a lado com o perigo
Alma puramente imaginária

Prazer de segundos infinitos
Temporal, torna-se brisa
E o que seria para sempre
Acabou, faz dois segundos

Posso agora até ouvir falar em Deus
Ainda poderia suportar
Ultimamente só penso nisso
Lado a lado com o perigo
Alma puramente imaginária







P.S: Atendendo aos pedidos, o cantor original da música preparou um arranjo especial. Com o encerramento intuído pelo profº Renato Souza em um dos ensaios numa garagem distante... Diretamente da Ilha da Magia, Fábio Kulakauskas!

sábado, 20 de agosto de 2016

Para ela

 - Se importa se eu fizer uma pergunta?
 - Sobre o quê?
 - De onde você tirou aqueles dois acordes?
 - Acordes?
 - Aqueles da ponte em Kafka a beira-mar.
Ela olha para mim. - Gosta deles?
Assenti.

 - Encontrei esses acordes em um velho quarto, muito distante. A porta para o quarto estava, então, aberta, ela diz quietamente. Um quarto que estava muito, muito distante. Ela fecha os olhos e afunda de volta em memórias.

Kafka à beira-mar, Haruki Murakami

       "As bandas quando começam costumam compor com quatro acordes, sério, dá para fazer muita coisa a partir disso." No momento em que Fabio dizia isso eu sabia que acabaria por fazer diferente. Faria uma canção com tantos acordes quanto possíveis mesmo sem saber os nomes ou quais eram suas funções. Tinha a impressão de que nunca saberia e, se o fizesse, a mágica pertencente a eles partiria a outro plano inabitável. No ano anterior o Acústico MTV de Lenine me apresentara a uma série de possibilidades harmônicas e cromáticas, seu violão percussivo estava galáxias distante de mim. De uma série de tentativas frustradas para tirar Hoje eu quero sair só de ouvido nasceu o esqueleto inicial da melodia.
          No que se mostraria recorrente, havia uma tensão circular constante e irresoluta. A procura pelo refrão não trouxe resultados. Nada mais anacrônico! Ainda que o Los Hermanos já tivesse lançado em seu Bloco do eu sozinho a música Cadê teu suín-? passei a flertar com as composições da banda apenas quando entraram em hiato. Se àquela altura eu entendesse que a criação não precisa de amarras, teria poupado uma série de justificativas no início. "esse acorde não pode estar aí", "suas melodias não estão a altura de suas letras", o eco do que alguns me diziam me acompanharia pelos anos seguintes, embora, sempre me permitindo a posição de desafiar a ordem vigente, tentar introduzir um pouco de caos através do não-saber-teórico.
            Naquela época os livros de Dan Brown eram uma de minhas fontes de entretenimento mais constantes, não apenas isso, Fortaleza Digital, Anjos e Demônios, me ensinavam uma série de códigos simples, ambigramas. Por sua vez me levaram a ter um contato superficial com cifras hebraicas, a caixa de César, enfim. Estar envolto a códigos me fez pensar na publicidade de uma marca de cigarro. Certa vez minha mãe me falou de uma publicidade do cigarro Minister. "Minha Inesquecível Namorada Isto Será Tua Eterna Recordação" um acróstico viria a calhar. Parecia genial e elaborado, não deixava de ser um código! Tudo começou com um poema, quando mostrei a letra a Bob ele apreciou tanto a ideia que utilizou no refrão de Segredos em sussurros a primeiríssima composição da Falsa Modéstia.
              Então, ainda que meu poema tenha começado antes ele foi terminar depois, mas não existe tempo quando se trabalha em equipe. É tudo um esforço simultâneo e complementar o que enriquece a obra coletiva. Diria Jair Oliveira: "Muita atenção, tudo o que vai volta." Se o que seria para sempre acabou em dois segundos, a emoção da genialidade do acróstico ruiu no primeiro semestre da faculdade, dois anos depois. O Profº Massaud Moisés, em seu Dicionário de termos literários define o acróstico como "poesia de circunstância, expediente típico de poetas menos inspirados que virtuoses (...) durante a Idade Média (...) poetas o empregavam para ocultar discretamente o nome da bem-amada." tanto labor para concluir o que incontáveis viveram antes, ó fruto do empirismo. Seja como for, a memória vegetal conserva as ideias passadas, mesmo quando nos ressignificamos após crises de identidade.
"E hoje eu reconheço/Que meu descompasso/É fruto do que fui até aqui" Empirimístico, Onagra Claudique
Para ela (2007) 

Faz sentido agora, você disse:
Ainda lembro de você
Busquei em mares aquela mesma cor
Infinita de teus olhos girassóis
Onde por muito viajei
Leve e sem rumo
Agora sei, que não mais vou encontrar

Resta saber, se isso é verdade
Inspirei-me a procurar pela cidade
Bem ou mal? ainda pode acontecer
Então, por onde andas?!
Imagino todos os dias:
Reatar as vidas

Ou voltar a culpar o destino?

Paixões de cinema
Abismos que por amor
São superados e então feitos
Segredos, secretos, sagrados
Opções nunca feitas ao vivo
Sonhos em que você está.
  

domingo, 14 de agosto de 2016

Um Conto no Jardim

"É possível argumentar que, em alguns casos de trabalho que é produzido em muito pouco tempo, a ideia já estava incubando por um período muito mais longo. Algo que uma pessoa estava ruminando durante muitos anos pode surgir como um produto acabado em um breve intervalo de poucas semanas ou meses." - Anthony Storr, A dinâmica da criação.

       Aos dezessete anos, a expectativa ante uma apresentação pode ser um dos maiores motores a instigar a criatividade. "Bem, como precisamos ter o mínimo de repertório para escolher cuidarei de reunir todo o material desenvolvido por nós" as palavras foram proferidas assim? Tudo foi montado em um quase-segredo? Tantos detalhes perdidos no decorrer de nove anos. Canções são caixas de Pandora, podem nos fazer questionar as escolhas, as fugas, trazer o peso e o cheiro de centenas de cartas tornadas incenso, pode erguer as paredes da escola, ou nada disso, por vezes canções são apenas fruto da teimosia. Pode se querer a situação onírica de situações reais ou encará-las, como uma pintura de quem não mais se é. Se foi, todavia.
        Foi o domingo de aquisição do álbum Novos Horizontes da Engenheiros do Hawaii, o primeiro lançamento desde que eu começara a acompanhar os trabalhos da banda no fim de 2004. A união de Toda forma de poder (1986) com Chuva de conteiners (1992) é a primeira faixa e não me saía da cabeça. No trajeto da feira até minha casa surgiram os versos na primavera as flores não caíram e observo belos girassóis sem dispositivo que permitisse o registro em áudio no trajeto me coloquei a repetir incontáveis vezes até estar em minha cama e recorrer à segurança da memória vegetal. Numa folha qualquer rabisquei, de maneira despretensiosa, uma narrativa que culminasse no momento primeiro e decidi que o primeiro acorde seria Gm. O motivo? A primeira melodia que compus continha esse acorde, uma letra de Bruno Oliveira com o som das motosserras
        Tempos depois num ensaio ouvi dos rapazes algo como: 
      - desculpe estarmos pulando animados com uma música que surgiu de sua tristeza...
Mais de duas dores foram sentidas, nenhuma delas estava ali. 


Um conto no jardim (2007)

Quase um ano se passou
Vai passar mais uma vez
Que palavras vão trazer
A paz que levou você
Num dia claro
Como o que estou
Faltam motivos pra caminhar
A lua chorava triste

Quantos passos vão levar
Ao lugar que começou?
Eu penso voltar lá
Sei você não vai estar
Sem perceber
Chego a um jardim
Quero dizer o que eu vi

Na primavera as flores não caíram
E observo belos girassóis
Abandonados pares solitários
Eles solitários como nós

O tempo parou me deixou aqui
Será que esqueceu de mim?

Na primavera as flores não caíram
Na primavera as flores nunca cairão
Na primavera as flores não caíram
E observo belos girassóis
São seus olhos, os girassóis
São seus olhos


Aqui na interpretação de Fabio Kulakauskas:

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Um Dia de Calma: Moska na Fazenda Serrinha

"Na máquina literária que constitui "Em Busca do Tempo Perdido" de Proust, somos atingidos pelo fato de que todas as partes são produzidas como seções assimétricas, caminhos que, abruptamente, chegam a um fim, caixas hermeticamente seladas, receptáculos incomunicantes, compartimentos estanque, nos quais há frestas mesmo entre coisas contíguas, frestas a ser afirmações, peças de um quebra-cabeça pertencendo não a um quebra-cabeça, mas a vários, peças montadas ao serem forçadas a certos lugares em que podem ou não pertencer, suas bordas incorrespondentes violentamente forçadas fora de seu formato, forçadamente feitas para se encaixar, se entrelaçar, com um número de peças sempre restando." - Gilles Deleuze, Anti-Édipo: Capitalismo e Esquizofrenia.


       Deixar de lado, deliberadamente, uma possível chave para o enigma faz com que alcancemos o erro ou criar nossa mais sincera interpretação? Daniel Galera afirma que atribuir um propósito superior a um lance qualquer da vida é construir uma ficção muito pessoal. Pois, como numa profecia autorrealizada pensarei que, de fato, eu deveria mesmo ter estado lá no dia 31/07 A que lugar me refiro? A Fazenda Serrinha.


       Uma singela foto não é capaz de encapsular cento e vinte hectares Há ali um festival pluricultural ocorrendo há quinze anos! Foi como descobrir um monumento escondido a plena vista, mais que isso, poder rever um show de Moska num ambiente diferenciado. Saber de sua presença desde o início dos trabalhos imersivo-culturais há muitos anos. Presença que o artista mesmo descreveu como "acompanhar a fazenda se fazendo". A possibilidade de reunir todas as tribos em um só local permitindo a interação e a criação: transformação.
          Venho refletindo recentemente acerca de nossas interações unilaterais com os ídolos que elegemos, podemos encontrá-los várias vezes e, provavelmente (?), será sempre o primeiro encontro. Mesmo depois de conversas bissextas haverá sempre o desconhecido ao passo que, quanto mais nos aprofundamos em suas obras, sentimos sempre conhecer mais de cada um deles. Ainda assista o Zoombido de forma desordenada a cada episódio me sinto aprendendo mais acerca do próprio idealizador do projeto. Poder encontrá-lo no meio de meu passeio foi um deleite, tudo em câmera lenta no instante em que balbucio para Helen: 
       - É o Moska, será que devo falar com ele?
       - Vá logo! (risos)
      E ela não pensou duas vezes em registrar o momento numa foto. Eis um dos momentos impossíveis de viver quando se está apenas ouvindo mp3.
          O show começou por volta das 18h20. Gosto de artistas que podem carregar a força da canção munidos apenas de seus violões e voz. Violoz. Me surpreendi com Hermanos, composta com Fito Paez, não pensava as cancões de Locura Total integrassem seu repertório. "Vida pura, pronta para brilhar" me parece complicado passar mensagens positivas sem soar piegas. Soneto do teu corpo, parceria com Leoni deu seguimento, depois Quem sabe isso quer dizer amor de Lô Borges. Uma das mais novas em seu cancioneiro Tudo que acontece de ruim é para melhorar vem repleta de esperança, o título, auto-explicativo, foi abalizado pelo aplaudido "Fora Temer!". A ligação com os cantautores da América Latina referenciada com versão para A Idade do Céu do uruguaio Jorge Drexler. Prosseguindo com a temática de narrativas, veio Pensando em Você que fez parte da trilha de Agora é que são elas (2003), depois  o cantautor explicou como surgiu sua versão para Enrosca - de Guilherme Lamounier - que esteve apenas em um episódio da novela Império (2014) já que uma série de cenas entre Alexandre Nero e Marina Ruy Barbosa foram cortadas. Como a música já havia sido regravada por Fábio Jr e Sandy e Júnior ele se apresentou como Moska Júnior, e o público se divertiu bastante.
          Uma canção que tem rondado a mente foi tocada: A Seta e o Alvo. O universo das diferenças orbita uma série de canções como Um e Outro, do próprio Moska, e Seres Estranhos e Grafite Diamante de Lenine, mas divago. Foi a parceria com Zélia a sucessora: Sinto Encanto. A vocalização de Maria Gadú, presente em Muito Pouco (2010), foi recriada por algumas das fãs na plateia. O sorriso de Helen quando uma de suas músicas favoritas é executada: Lágrimas de Diamantes. Após Sem dizer adeus, veio a primeira música que lembro de ter ouvido de Moska: Último dia. Quando a mininovela O Fim do Mundo foi exibida em 1996 eu tinha seis anos de idade. Tanto a faixa de abertura quanto Profetas de Zé Ramalho prosseguiram em minha mente mesmo sem rever a novela. A faixa seguinte , Quantas vidas você tem? foi tema de Rita e Didu em uma das novelas mais aclamadas nos últimos anos A Favorita (2008). Ainda que a última novela que eu me lembre de ver seja Laços de Família (2000) é impressionante o peso que a teledramaturgia brasileira possui e como muitas de suas trilhas acompanham e impulsionam uma série de artistas.
       Encabeçando o final do repertório estava a doce Namora Comigo. O rei do pop também foi homenageado ao final de Admito que Perdi quando Moska entoou o refrão de Billie Jean. As necessárias reinvenções do eu estavam em um Móbile no Furação. Quase como sequência temática veio Tudo novo de novo e a transmutação das dores em amor. Durante todo o show havia no palco um segundo microfone e a expectativa de uma participação existia desde o primeiro momento. Eis que o artista afirma que não poderia perder a oportunidade de chamar um amigo que tocara no festival no dia anterior. O público se abre em respeito para permitir a passagem de Chico César ao palco! 



          Falam sobre os bastidores da criação de Saudade que nasceu da saudade pura do catoleense e partiu para Bethânia. Sem o tradicional teatro ensaiado para o bis, a melodia característica já antecipa uma das letras mais atuais do repertório, ainda que tenha sido composta por Moska e Lenine há mais de uma década: Relampiano. Para fechar, a canção que deu nome ao álbum de 2010 e que muitos conhecem pela interpretação de Maria Rita: Muito Pouco. Moska agradece a todos os presentes e àqueles que permitiram que a apresentação no Teatro Rural fosse possível. O público se despede, sem vontade de partir.

POSFÁCIO

         O plano de chegar à Fazenda Serrinha funcionou, A Busca Vida, as intervenções artísticas como A Grande Espiral de Bené Fonteles, [I]mobiliário de Gustavo Godoy, Eu te como de Aguilar e Enquadrando a paisagem de Luiz Hermano, por exemplo, mereceriam parágrafos por si só, além da pequena vista à Oca dos Sentidos, a gentileza de um casal artesão na feirinha próxima ao Teatro Rural... Há uma série de acontecimentos que não estão presentes no texto, um não pode ser ocultado, todavia: Ao fim do show, minha namorada e eu, sem carro ou sinal móvel para chamar um táxi nos perguntávamos como chegaríamos á rodoviária de Bragança Paulista em meio a escuridão. Pedir carona surgiu como a luz no fim do túnel - não, não era um trem na contramão. E conhecemos duas moças que, além de nos dar carona, nos deram uma ótima conversa sobre o local, Bragança, alguns dos cantautores sul-americanos (Kevin Johansen, Pedro Aznar, Jorge Drexler) as histórias dos festivais e muito mais. Fomos deixados em segurança próximos ao Lago do Taboão, ainda fomos apresentados ao cantor Meno del Picchia! Então, para a bragantina que estuda em São Paulo e para a que mora em Brasília, em nome de Thales Salgado e Helen Moraes, muito obrigado e namaste! Ainda dizem que a sociedade perdeu a finesse.