quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Tributo aos Sentimentos

"Eu estava só e estava estranho. Estava tarde,  tarde demais. Eu me sentia só e triste demais para procurar alguém. Não procurava, mas precisava. Eu corria pela rua sem ninguém atrás de mim, para alguns, isso é muito bom. Para mim? é muito ruim. Eu vivia bem, até que alguma coisa deu errado, errado! Então, depois, tudo estava errado, tudo errado, errado! Havia um retrato pendurado na parede. Ontem era tudo, hoje eu já não sei. Eu não faço nada, eu não posso fazer nada. Veja bem: não há nada que eu possa fazer.
Será que eu vou ficar sozinho no mundo, será que eu não vou ter com quem conversar?  Será que eu vou ficar sozinho no mundo, será?" - Homens-Caixa, Nenhum de Nós - 1987





         E tão logo vi nascer, pelas mãos de Bruno e Fabio, Segredos em Sussurros, retirei um encadernado em que colocava as mais desconexas frases e versos. Creio que, naquele momento eu não possuía nem mesmo um poema completo. Bruno dizia que vinha escrevendo nos locais mais inusitados, como esperando na fila de um banco para pagar contas que lhe não pertenciam. Poderia ser aos olhos dele algo ali fizesse sentido. Afinal, menos de seis graus nos separavam, naquele tempo  ele morava praticamente a duas ruas da minha. Quantas vezes você já passou em frente a uma casa, imaginando como eram as pessoas que ali viviam? Quais são as chances de você passar a ser alguém do convívio, de partilhar gostos e interesses? 
          Seguindo esse raciocínio, a canção Homens-caixa, da Nenhum de Nós, fazer parte do repertório oficial da banda desde sua formação era uma contradição, ao menos no que diz respeito ao conteúdo de sua letra que pode ter sido inspirada pelo livro do autor japonês Koto Abe. A ideia de se colocar numa caixa pode ser a de se distanciar do mundo, não se envolver com nada ou ninguém, apenas tentando manter um semblante ameaçador para o mundo que está fora. Bento de Albuquerque Santiago já concluíra que um dos erros da Providência era a não possibilidade do uso dos olhos como arma de ataque. Talvez não passe de um acerto para evitar acidentes causados pela cegueira de um raivoso impulso. A tal contradição reside no fato de que para a existência de uma colaboração, os envolvidos precisam estar dispostos à interagir, mesmo que essa interação seja feita entre uma das partes e apenas a representação do outro na figura de palavras ou melodias.
           Salvo melhor juízo, escrevi apenas as frases copiamos os sentidos/criamos inimigos e vem os últimos dias. Em meados de 2005 as ideias de início e fim sondavam, estando alheio ao conceito de eterno retorno me punha a desfiar aforismos tais "um dia de branco não lava uma vida de pecados" ou a aproximação de antitéticos como "o fim de um início do ano para mim", como o caderno foi jogado fora depois de duas ou três utilizações é impossível rastrear a gênese total. Lembro de Bruno comentando algo acerca de motivos outonais como o vento batendo nas folhas, essa movimentação de uma liberdade para o ato de pensar sempre esteve presente. Quando fui convocado a sua casa numa noite escura, a canção já estava quase completa, uma das sugestões era a de que fosse cantada em três vozes, algo que, à parte o primeiro registro caseiro em 2007, nunca se concretizou. Nessa mesma noite debatemos acerca de como romper o ciclo de acordes até o momento em que surgiu um Bb para guiar o verso não posso ser eu mesmo todo o tempo. E quem é que pode?
         O nome surgiu como que por vontade de atestar uma relação entre o tempo do início da letra e sua conclusão, nascer leva tempo.

Tributo aos Sentimentos (2007)

Copiamos os sentidos
Criamos inimigos
Talvez por isso sinto a sua falta
Acho que sem explicação
Vem os últimos dias
Quando acaba é apenas um começo
E o novo começo é sempre o mesmo
Esperamos a mudança
Quando ela vem, sinto a sua falta

O que foi ensinado
Não foi de tudo em vão
E o meu medo já não atrapalhará
Meu medo é o seu
E é isso o que te faz real
Não posso ser eu mesmo todo o tempo
Existem, leis e leis e leis
A única lei restrita, a única que me interessa:
Liberdade de escolha

Mas por ora meu suor o vento leva
Você não precisa vir comigo
Logo volta a correr...



quinta-feira, 22 de setembro de 2016

108 Minutos

Estava em Florianópolis, o lugar ser conhecido como "A Ilha da magia" não deve ser coincidência...

"LOCKE: Você e eu sabemos onde estávamos antes do flash, James. Então, quem foi que você viu? Charlie? Shannon? Você mesmo?
SAWYER: E como é que você sabe onde estávamos, Johnny Boy? Aquela luz no céu — era da Escotilha, não era?
LOCKE: A noite em que o Boone morreu... Eu saí e comecei a bater o mais forte que podia. Eu estava... confuso... assustado. Balbuciando como um idiota, perguntando, por que tudo aquilo estava acontecendo comigo.
SAWYER: Conseguiu uma resposta?
LOCKE: Uma luz surgiu, apontando para o céu. Naquela hora, eu pensei que significasse algo.
SAWYER: Significava?
LOCKE: Não. Era só uma luz.
SAWYER: Por que nos fez dar a volta, então? Não quer voltar lá?
LOCKE: E por que eu iria querer?
SAWYER: Para lhe dizer para fazer as coisas de um jeito diferente, se poupar de um mundo de dor.
LOCKE: Não, Eu precisava daquela dor — para chegar onde estou agora."



108 Minutos (2007)

Eu tive uma visão
Mas não quero que aconteça
Se você está em cima do muro
Te digo melhor que desça
Você não vai querer saber
Mas eu vou te contar
Já não haviam geleiras na Terra
Não vi um urso polar

E só nos restam 108 minutos
Para o fim do mundo
É a nossa última esperança
Pra que não restem só lembranças

Não tinha salvação
Mas a maré estava cheia
E via muitos buracos no chão
De acidez ultra-violeta
Dentro ciclones em espiral
Consumiam o ar
Já não haviam abrigos na terra
Lugar pra chamar de lar

E só nos restam 108 minutos
Para o fim do mundo
É a nossa última esperança
Pra que não restem só lembranças


"SOBRE A ESCURIDÃO, MÚSICA. UM PRESSÁGIO AMEAÇADOR. ENTÃO, SURGINDO DAS TREVAS, UMA ÚNICA PALAVRA. FLUTUANDO NO ESPAÇO, FORA DE FOCO, EM DIREÇÃO À CÂMERA. ENQUANTO ELA AVANÇA, ENTRA EM FOCO, MAS É NÍTIDA APENAS POR UM BREVE MOMENTO:

LOST

ENQUANTO SE APROXIMA DE NÓS PERDE FOCO -- E AO MOVER PELO "O" A MÚSICA CRESCE, ENTÃO PARA, ABRUPTAMENTE, ENQUANTO A CAMERA CORTA PARA:

O OLHO DE UM HOMEM

PLANO FECHADO. O olho se abre. O homem olha rapidamente para o relógio. São 8:15. Seu texto não está pronto. O editor é severo e tem sido uma presença constante em sua vida. Ao menos, ao curso dos últimos quatro meses. Este é o décimo oitavo texto do blog. 'Como se tornou o mais difícil?' ele pensa. O PLANO AMERICANO permite a quem está assistindo ver o número de folhas, cadernos, e livros de referência. Thales supõe ser melhor dar início ao texto, e, antes de abandonar o roteiro. Percebe a convidativa tela branca de seu notebook a instigá-lo. Ele começa a ouvir Hollywood and Vines, de Michael Giacchino."

     Do mesmo trabalho escolar motivador-temático da canção Solipátria, surgiu 108 Minutos. Por já haver alguém a cuidar da música que meu grupo apresentaria, decidi focar a atenção em outras ideias. Tudo é meio difuso à partir daqui, a minha certeza era a de que compor uma música para o trabalho de meus amigos da sala ao lado se tornaria uma atividade muito mais divertida. As conversas acerca de Lost com Ivan e Leonardo, muitas vezes, poderiam seguir vida a fora e noite a dentro, fosse com os 89 enigmas ou apenas a vida, o universo e tudo mais. Nada mais justo que fazer parte do grupo deles de alguma forma. Por mais subjetivo seja, acabou que a personagem na qual a letra foi embasada foi Desmond David Hume.
     Talvez por ter sido o primeiro personagem que vi, no dia 12/03/2006. Daniel Martins dissera várias vezes para que eu assistisse a série de uma vez, mas eu relutava. Até que, no domingo supracitado, decidi sintonizar no AXN às 20h para a reprise da abertura da segunda temporada. Minha primeira impressão foi a de que a programação do canal estava errada. Os primeiros três minutos vistos não mostravam nenhuma ilha no pacífico, e sim, uma rotina matutina interrompida por uma explosão. Seria meu cérebro? A abertura da série me fez ter duas certezas: primeira, parece que não se tratava apenas de "um avião caiu numa ilha deserta e 48 sobreviveram, isso é um Survivor" como eu mesmo detratara antes de conhecer. E a segunda, a oferta de Daniel para emprestar os DVD's da primeira temporada estava em pé? Eu precisava de uma overdose! Uma das primeiras 'binge-watchings' da família Salgado no universo pré-Netflix.
"But you've gotta make your own kind of music/Sing your own special song/Make your own kind of music/Even if nobody else sings along" - Mama Cass, 1969
     Essa composição é creditada, também, a Ivan Carolino. Enquanto construíamos o escopo da letra, ele sugeriu o refrão. 4+8+15+16+23+42 = 108. Quando visto sob a ótica de Desmond a resposta é clara como um cristal: a necessidade de inserir o código no computador e "salvar o mundo". Como diria Kelvin Inman. Os primeiros versos da letra adaptam parte do diálogo de Desmond e suas visões da morte de Charlie no episódio s08e03, ao mesmo tempo em que pode ser interpretada como um desesperado eu-lírico assumindo ares proféticos quanto aos efeitos do aquecimento global. O contexto ambiental que a letra precisava ter era o expediente certo para que ursos polares existissem na narrativa sem levantar suspeitas. Aquele que ouvisse sem conhecer as experiências da Iniciativa Dharma, não se atentaria aos detalhes. Os "ciclones em espiral"  são uma menção ao mangá de Junji Ito, Uzumaki, que a Conrad publicara em 2006. 
     "Já não havia abrigos na terra, lugar para chamar de lar" poderia sintetizar o deslocamento de Desmond na segunda temporada quanto um cenário pós-apocalíptico qualquer. Abrigo, entrou pela falta de palavra que melhor definisse a função da "escotilha", afinal, não caberia usar o estrangeirismo "hatch", tampouco, a adaptação lusófona "portinhola". Como diria meu pai: foi o que se pode arranjar. Outros grupos haviam alcançado resultados mais coerentes, o grupo de Talita Soares, por exemplo, tinha uma letra que começava com algo como "Galera, vamos passar uma mensagem, uma mensagem consciente sobre o nosso ambiente" no melhor estilo Natiruts. Foi, à época, provavelmente a com maior repercussão, ainda que não fosse uma competição.
Foto tirada no dia 2/04/2008, no hiato ocorrido após o oitavo episódio da quarta temporada. Espólio de meu primeiro blog.
        Curiosamente, como se representasse o fim de algum ciclo imaginário, o ano em que descobri a existência desse projeto da profª Marize, foi 2004. Ano de estreia da série. Não me recordo qual foi a nota recebida, mas a música foi um dos registros dessa fase. Ainda que nunca tenha sido executada ao vivo, ela fez parte da primeira coletânea da Falsa Modéstia, com o objetivo de reunir todos os fragmentos musicais dos integrantes em um todo coeso.
      Tendo em mente todo esse desenvolvimento, fui pego de surpresa quando Bruno e Fabio escolheram a música para um possível repertório. Lost, é, sem dúvidas, uma das palavras mais recorrentes em meu discurso. Por meio dela conheci diversos livros, como A Volta do Parafuso de Henry James. Passei a consumir podcasts, do Lost in Lost de Carlos Alexandre Monteiro ao Nerdcast. Comecei a buscar conteúdo na internet avidamente. Cheguei ao extremo de, por pelo menos três vezes, emprestar o box com a série completa para pessoas próximas. Sabe aqueles velhos cadernos escolares em que a pessoa responde sobre si mesma? Minha resposta seria "assista Lost". Embora não pareça, não sou o fanático cego que não enxerga erros na série, lembro de uma série de decisões que podem ser tomadas como equívocos por parte dos criadores da série. Acho justo, porém, saudar a representatividade infinda que esse seriado tem em mim. Na faculdade, quando estudávamos fábulas, a que escrevi tinha o título "O menino e a caverna de luz". Que no final fossem apenas reflexo de moedas douradas no interior dela é mero detalhe.
        Quando visitei Florianópolis, em julho, meu pensamento era "estou em uma ilha!". Meu primeiro moleskine tem várias anotações do que poderia ser um disco conceitual com letras inspiradas na série, nada sério. Person of Interest, Sense8, The Leftovers, The Vampire Diaries, Once Upon a Time. Até mesmo Persons Unknown, The Event, Flashforward... Quantas séries assisti por encontrar o menor denominador comum com a série da ilha? N'outro dia mesmo estava em aula na Cultura Inglesa e no instante em que um exercício dizia "my manager doesn't have to speak English. I am his assistant and I do all the documentation in English for him" automaticamente me lembrei da dinâmica entre Lennon e Dogen na sexta temporada. Meu olhar, então, corre a sala à procura de alguém que tenha captado a referência. Uma que só encontrei por ver o mundo por um filtro Lostiano.
         
          Não estive exposto à nenhuma espécie de radiação, minha memória me trai, todavia. Duas outras composições minhas receberam homenagens a Lost: Constante e The Equation Variable. Enquanto não falo delas, deixo aqui uma paródia que escrevi esse mês , da música Mulheres, composta por Toninho Geraes e eternizada por Martinho da Vila. Em nome dos DeGroot, Alvar Hanso e todos nós aqui da Iniciativa Dharma, Namastê e boa sorte:

Já assisti séries: preto e branco e a cores
Fui de faroestes, às cheias de amores
Com umas até certo tempo fiquei
Pra outras apenas um pouco me dei

Já assisti séries falando da vida
Falando da morte, psicopatias
As adolescentes, as de detetives
De contos de fada com final feliz

Vi séries cabeça e as já canceladas
De advogadas, de guerra e de paz
Mas nenhuma delas me fez tão feliz
Como você me faz

Procurei de metanfetamina a publicidade
Mas eu não encontrei e fiquei na saudade
O inverno mal chegou, mas tudo tem um fim
Você é a luz da minha ilha, a minha vontade
A série é de mentira, mas se fez verdade
É tudo o que um dia eu sonhei pra mim.

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

The Beatlemania Experience

‘Why did the apple fall to the ground? Where have all the flowers gone? Who fired the shotgun when love was all around? Where we only sleeping? I don’t know. But I do know Something About The Beatles’ - The Korgis
      
Foto: Helen Moraes
       No dia sete de setembro decidi, finalmente, visitar o Shopping Eldorado para conhecer o evento que prometia ser “a maior e mais interativa exposição dos Beatles já vista”. Para todos os efeitos, ela é! Ainda não tivesse visitado nenhuma outra exposição tendo os Fabfour como foco a experiência do título é realmente imersiva, não devendo nada para as itinerâncias do circuito de museus de São Paulo.
      Já na fila, se enxerga uma reprodução imensa de uma fotografia de outubro de 1965 em que fãs ensandecidas tentam furar um bloqueio policial em frente ao Palácio de Buckingham, onde os membros da banda receberiam condecorações da Rainha Elizabeth II. Olhando ao redor, era possível observar a abrangência de público. Havia desde idosos comentando admiráveis tempos idos, curiosos procurando descobrir quem eram “os tais dos Beatles” e até mesmo crianças que teriam seu primeiro contato com a obra de John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr. A canção In spite of all the danger, única creditada a Paul e George e uma das primeiras gravadas pelos The Quarrymen, já dava o tom do que viria a seguir.
       Antes de rasgar seda na descrição do percurso, convém salientar que, ao menos no dia em que lá estive, não foi possível obter o guia em inglês para apreciação. Funcionários confessaram que “o número de estrangeiros no feriado de Independência superou as expectativas” e “o fato do conteúdo estar quase que completamente em português dificultou um pouco para os visitantes estrangeiros que ficaram sem o guia impresso”. Como meu interesse pelo objeto era mais questão de um souvenir não afetou minha experiência. Por último, não menos importante, todavia, pude encontrar tremas em textos da exposição. Supondo o visitante não seja um gramar nazi, elas passarão batidas. Agora, sem mais delongas, o roteiro.

ATENÇÃO: O TEXTO A SEGUIR CONTÉM SPOILERS

       Ah! Mas é para isso mesmo que estão aqui? Perdoe, cara leitora ou leitor, eu sempre quis usar essa frase. Mas divago! As únicas regras que foram transmitidas: para não comprometer o fluxo de visitantes não é permitido retornar para a ala anterior, no entanto, a permanência nas dependências é livre. Fotografias são permitidas desde que tiradas com dispositivos móveis. Câmeras profissionais não são permitidas.
Tudo começa com um vídeo apresentando as datas de nascimento dos integrantes e o contexto histórico da Inglaterra. Em seguida, você se depara com a recriação de um caminhão em que os, então, Quarrymen, tocaram numa quermesse, e John e Paul se conheceram. Essa primeira ala conta com uma série de itens, como o diploma de Lennon. Há, também, um grande painel exibindo as mudanças de integrantes desde que a banda se chamava The Quarrymen até se tornaram The Beatles, com a supracitada formação clássica.
Foto: Helen Moraes
No livro As letras dos Beatles, o biografo oficial da banda, Hunter Davies comenta que, certa vez, num momento de tédio se colocou a estudar os rostos famosos na capa do álbum Sgt. Pepper (1967) e se surpreendeu ao constatar que haviam nove escritores e apenas quatro músicos. Essa inclinação literária é interessante em se considerando o quanto os rapazes zombavam de sua boa formação e de seus professores. O academicismo, por si, não significa muito despido do interesse individual. Seguindo o trajeto há uma série de fachadas, pôsteres e foto. Um expediente para manter o visitante sempre entretido com alguma informação ou detalhe. A recriação cenográfica do Cavern Club, em que os Beatles tocaram cerca de 300 vezes, remete aos clubes de rock ou ambientes que seriam recriados em programas como o Acústico MTV. Nas paredes pequenas biografias dos poucos que tiveram oportunidade de fazer parte do círculo íntimo da banda, como Brian Epstein, Klaus Voormann, Mal Evans e Neil Aspinall. Forma de se perceber que além dos criativos uma série de protagonistas são necessários em outras frentes para a consolidação do mito.
       Um exemplo do aproveitamento criativo do espaço está no corredor que simula uma cabine de trem britânica. Detalhes como as malas e a paisagem da janela fizeram com que eu me sentisse no Expresso de Hogwarts. O desembarque é realizado na “Beatlemania” em si. O frisson causado pelo grupo no mundo, em especial, nos EUA. A “Invasão Britânica” foi capitaneada pelos quatro garotos de Liverpool mas contou com uma série de outros nomes como o The Kinks, The Animals, The Hollies, The Who e, claro, The Rolling Stones. O episódio seis do minidocumentário The Sixties (2013), com produção executiva de Tom Hanks, se aprofunda no aspecto histórico desse momento. Nesse sentido, não importa ‘gostar ou não’ dos Beatles. O efeito que tiveram, e tem, na cultura pop e no estilo de produção musical que é seguido até hoje é inegável. Até mesmo Matthew Weiner, criador da aclamada série afirma que não teve problemas em pagar US$250.000 em taxas de licenciamento para utilizar a faixa Tomorrow Never Knows na quinta temporada da série (2012) uma vez que, no comando de uma série que tomava parte nas transformações vivenciadas nos anos sessenta, sentia estar faltando autenticidade por não haver nenhuma música do grupo que era o estandarte de diversas transformações.

        Voltando a ala em si: ao centro, dezenas de televisores antigos transmitem imagens de arquivo da banda. Ao redor? Vitrines com todos os artigos que você puder imaginar. Agasalhos, quebra-cabeças, lancheiras, bonecos... você escolhe! Há também um espaço dedicado a alguns dos efeitos da febre no Brasil. Num vídeo, Beto Bruno da banda Cachorro Grande fala das decisões que motivaram as mudanças nas coletâneas tupiniquins. Há um trecho em que Caetano Veloso comenta que quando os Beatles apareceram no Brasil não diferiam muito do que seria, hoje, um Justin Bieber. Odair José – que tem uma canção chamada "Eu Queria Ser John Lennon" –  afirma que quando estreou o filme Os reis do Iê Iê Iê (A Hard Day´s Night, no original, mostrando como desde sempre os brasileiros possuíram criatividade ímpar para adaptação dos títulos) ele chegou a assistir vinte vezes. Ronnie Von explica que seu pai conseguia os discos com cerca de seis meses de antecedência e ele chamava Rita Lee para ouvir junto, e como, a partir disso viu surgirem Os Mutantes. O Iê Iê Iê brasileiro ecoou de Roberto Carlos à Arnaldo Antunes.
      Além dos instrumentos utilizados no período há uma coleção de capas dos lançamentos ao redor do globo e a biografia daquele que é considerado o 5º Beatle: o produtor musical George Martin. O apoio do Spotify como o player oficial se reflete em uma série de totens espalhados por todo o espaço da exposição em que os visitantes podem pegar fones de ouvido e apreciar a discografia completa dos Beatles, além de playlists dedicados a suas primeiras influências, como o skiffle. Chega então um dos momentos mais interessantes, a recriação de um trecho do show no Shea Stadium, NY, em 1965, em um filme de realidade virtual. O visitante se vê como uma das 55.600 pessoas do público. A tecnologia é realmente promissora e, de cara, já se mostra superior à utilização do 3D tradicional, por exemplo.
      Após o show há dois quadros interativos com linhas do tempo. Muitos dos presentes afirmavam se sentir como Tony Stark manipulando a tela. Há também os figurinos de John para uma apresentação no Japão e depois uma explicação daqueles que são considerados os três maiores problemas externos que a banda enfrentou: a descontextualização da infame frase de John Lennon sobre ‘serem maiores que Jesus’, o desentendimento com o ditador das Filipinas Ferdinand Marcos e sua esposa Imelda, e a explosão de uma cherry-bomb próxima a uma apresentação, coisa que, logo, deixariam de realizar.
     Bem próxima à fachada da EMI, há um mural com as capas de diversos álbuns gravados no estúdio Abbey Road. Como o The Dark Side of the Moon, do Pink Floyd, em 1973. O homônimo de Duran Duran em 1993 e a trilha sonora do filme O Senhor dos Anéis composta por Howard Shore. Já na “EMI” há material promocional da animação Yellow Submarine, fotografias do tempo em que estiveram no retiro espiritual com o guru Maharishi Mahesh Yogi na ìndia e as vestes da Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band. Falando em submarino, logo depois, o visitante tem a oportunidade de navegar, ao céu azul e ao verde do mar, no submarino amarelo com escotilhas animadas e o vídeo falando do disco visualizado por meio de periscópios.
Foto: Helen Moraes
       O telhado da sede da gravadora Apple é o cenário reproduzido de modo a passar a impressão de que o visitante está presente no Rooftop Concert ouvindo Don’t let me down. O que foi a última apresentação da banda, um ano antes da separação prepara o terreno para o fim. Como que para melhorar os ânimos há a reprodução cenográfica do exterior do estúdio com a faixa de pedestres de Abbey Road, em que os visitantes, pagando uma taxa de R$18, tem um fotografo para conduzi-los ao melhor lugar e guardar de recordação sua própria versão da capa do último disco a ser gravado, e penúltimo lançado. As pessoas que quiseram entrar na brincadeira não hesitavam em descalçar os sapatos à Paul. Jornais da época esboçam a perplexidade com a separação do grupo. E enfim o epílogo: há uma pequena ala dedicada aos integrantes em suas empreitadas solo. Variadas peles da bateria de Ringo Starr, a relação do repertório de cada visita de Paul McCartney ao Brasil, As amizades musicais e o Sitar de George Harrison e também uma réplica do piano branco que John Lennon utilizou no vídeo de Imagine. A exposição, conduz, então a uma grande loja com tudo o que beatlemaníacos de todas as idades e nacionalidades poderiam querer: cd’s, dvd’s, vinhs, camisetas, biografias, bottons, etc. Ao sair, você vai se deparar com os portões de Strawberry Fields e virá a vontade de voltar ao início para ver tudo de novo. Experenciar os dez anos mais prolíficos na história da música, uma mágica e misteriosa viagem num sonho sem fim.


domingo, 11 de setembro de 2016

Onde você estava em 2001?

"Como os artistas lidam com a questão da memória? Nas artes, a evocação das memórias pessoais implica a construção de um lugar de resiliência, de demarcações de individualidade e impressões que se contrapõem a um panorama de comunicação à distância e de tecnologia virtual que tendem gradualmente a anular as noções de privacidade, ao mesm      o tempo que dificultam trocas reais. É também o território de recriação e de reordenamento da existência - um testemunho de riquezas afetivas que o artista oferece ou insinua ao espectador, com a cumplicidade e a intimidade de quem abre um diário." Katia Canton, Tempo e Memória
Memorial do WTC por Denise Gould

          Havia quem estivesse em casa apenas esperando o horário da aula. Teve quem dissesse: "nem sei o que estava fazendo, sério, talvez no trabalho". Para uma série de pessoas o expediente foi encerrado no momento em que ouviram as primeiras notícias, correram, então, para casa, afim de acompanhar as notícias. Também houve quem estivesse no cassino dos oficiais, servindo o melhor vinho do quartel a um dos generais. "Como em muitos dias, eu estava a varrer o chão esperando a hora dos desenhos, pelo menos até a vinheta do Plantão da Globo começar". A música, de autoria de João Nabuco recebeu o maior número de menções nas respostas, ainda que tenha passado a ser exibida apenas em 1991 as pessoas parecem tratá-la como um som que sempre existiu no imaginário. Outro prossegue em um riso curioso "Eu estava trabalhando na hora, sei que o João Gordo estava dormindo e então um cara ligou para avisar a ele", é uma entrevista? De certa forma era.
             E motivada por uma curiosidade recorrente, em abril de 2013 numa troca de virtuais cartas com Kariny Cristina ela havia, também, surgido. Naquele momento, sem maiores repercussões. "Estava na Marquês de São Vicente aquele dia. Podíamos trabalhar com um daqueles radinhos, sabe? então todo mundo acabou sabendo ali, por volta das dez da manhã.", outra pessoa complementou "nessas horas que a gente confirma como notícia ruim chega rápido, lembro que era uma terça, nesse dia o carteiro sempre fazia as entregas, foi ele quem nos disse. Ficamos apavorados, teve quem dissesse ser a terceira guerra mundial". Para alguns a repercussão dos ataques chegou apenas no horário da tarde. "Bem, não é difícil, eu estava vivenciando a mesmice, trabalho há vinte e cinco anos no mesmo lugar, sei lá, acho que eu trabalhava apenas em uma sala diferente." Outras pessoas iam além, não se tratava de intuir que estava no trabalho, e sim de tentar lembrar em qual estágio profissional estava.
             A sensação de deslocamento do tempo, foi a impressão que recebi de muitos com quem falei na última sexta-feira, 9 de setembro. Não se tratava de relativizar a importância global do fato, mas buscar a esfera de reação pessoal de uma série de brasileiros de idades variadas. Em meio a tumultos diários muitos esquecem de desmecanizar a própria vida. A tragédia foi um meio indireto para que cada entrevistado focasse, por alguns instantes, em si mesmo. Numa esfera mais ampla me peguei pensando: Para quantas pessoas o momento da queda do WTC não foi o nascimento da atenção para o panorama-cartão-postal de Lower Manhattan que passaria a ser visto em uma série de filmes, retroativamente? Naquele dia, minha maior preocupação era assistir a um episódio de Dragon Ball Z que, por conta da cobertura dos ataques, nunca chegou. As aulas de geografia, ministradas pelo profº Isaac de Carvalho, salvo melhor juízo, levaram a discussão para as aulas em que fiz uma ilustração do rosto de Osama Bin Laden para a capa de um trabalho escolar.

             E você, onde estava em 2001?

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Solipátria

"São tempos sombrios, não há como negar. Nosso mundo jamais enfrentou ameaça maior que a que enfrenta hoje." Rufo Scrimgeour

        Textos guardados, uma série deles. "Nunca tantos quantos se poderia ter." Parafraseio Sampa no Walkman, dos Engenheiros do Hawaii, como quem não quer nada. Assim como Lost, qualquer um que converse algum tempo comigo ouvirá alguma menção à banda gaúcha. Pra ser sincero esse texto já começou e acabou de uma série de formas. Ele já foi uma prosa poética acerca dos valores do país, já se tornou um roteiro com cenas em que um jovem eu conversava na banca de jornal acerca de quais valores eram possíveis ou plausíveis do alto de seus doze anos de idade, também rascunhada foi a ideia de falar acerca de artistas com temas políticos em suas letras. Agora, como transmitir a mensagem de modo a não soar como estivesse a colocar minhas próprias palavras à altura de meus "mestres" por assim dizer? 
         Essas narrativas em primeira pessoa sempre me fazem pensar em quão confiável é a voz do texto, principalmente quando envolve o resultado de uma série de diálogos. Tudo é sempre uma ficção; Pode ser influência da segunda temporada de Mr. Robot, ainda que não esteja tão contente com os rumos da trama que parece patinar sem rumo, a ideia de dupla personalidade sempre me chamou atenção desde que me deparei com o trágico destino de Saga, o geminiano. Diga o que quiser, fui conhecer a obra de Robert Louis Stevenson só muito tempo depois, fico com o referencial nipônico. Seja como for, no final, despida de todo o requinte que se buscava cá estamos no segundo parágrafo e, na falta de ideia melhor para ele, sugiro que passe ao terceiro:
         Síntese sem tese ou antítese agora, retomemos parte do que compunha a intenção original do texto. Aos doze, eu estava na banca de jornal próxima à E.E. Esli Garcia Diniz, suponho eu estivesse conversando com Alcebíades quando os acordes de uma música diferente começou a tocar na rádio. Gm F Dm não seria mera coincidência que minha primeira composição teria um pouco disso. A questão é que quando ouvi os versos "Sinto um imenso vazio e o Brasil que herda o costume servil, não serviu pra mim" não deixei escapar a surpresa. "Esse cara tem a voz parecida com a do Paulo Ricardo". Fui corrigido pelo colega da banca: "Mas é ele, está voltando com a banda dele, o RPM". Curioso, até então, para mim, ele era apenas o judeu Samuel na novela Esperança e o cantor de hits tais Como se fosse a primeira vez e Dois.
           Foi um choque bem vindo, eu sabia que letras podiam ser politizadas, refletir algo do mundo "real". Conhecia Ideologia de Cazuza, e uma serie de pensamentos de Renato Russo envolvidos nas letras da Legião Urbana, como Que país é esse? e Geração Coca-Cola. Mas Juvenília representou a ruptura do que se podia dizer ou não. Então, no terceiro ano do ensino médio era o que eu tinha em mente quando a profª Marize dividiu a sala em grupos e propôs que cada um compusesse uma canção sobre o país, e que tivesse o meio ambiente, também, como norteador. Foi surgindo o que viria a ser Solipátria suponho segui o tema até o segundo verso. Como o grupo em que eu estava já possuía um compositor com uma verve "popcêntrica" deixei de lado a primeira estrofe por alguns anos. Textos guardados. Uma série deles. 
          Corta para o RPM de novo. Em sua versão de Alvorada Voraz para o disco ao vivo em 2002, Paulo Ricardo atualizou sua letra. O que era "O caso Morel/O crime da mala/Coroa-brastel/O escândalo das jóias/e o contrabando/um bando de gente importante envolvida" tornou-se "O caso Sudam/Maluf, Lalau/ Barbalho, Sarney/ E quem paga o jornal?/ É a propaganda, pois, nesse país é o dinheiro que manda." Em 2009 a série de escândalos no senado acabaram por me fazer retomar a letra pensando na situação do país, e, o hino nacional já estava no DNA da letra que nasceu na escola. O tema na faculdade rondava as intertextualidades, e a Canção do Exílio de Murilo Mendes uma ponte. No último momento a melodia se deixou influenciar pelo folk cuiabano do Vanguart. De tanto ouvir comentários acerca de Guimarães Rosa era preciso utilizar neologismos, apenas no título faria sentido: A pátria solitária, solitária pátria, solipátria. Os protestos de 2013 viriam a contradizer o primeiro verso da segunda estrofe, o povo já não estava calado. Hoje, mais que arroubos parnasianos, estudantes ocupam suas escolas em atos que deixariam V orgulhoso. Ideias são à prova de balas e o país pode avançar sem temer.



Solipátria (2009)

Quando o verde louro torna rubro
E o som do mar traz gritos incontáveis
Quem parar para olhar para o céu
Não verá o sol da liberdade
E sim decepção por toda a corrupção
Que agora reina e se espalhou

O povo heroico está calado e já não liga mais
O espelho está quebrado e se nega a refletir
Pois que não há grandeza a ser espelhada em futuro aqui

O berço esplêndido virou caixão
E ninguém já se deu conta
Que alguém apagou a luz
Entre outras mil fomos nós mesmos
Os que cortamos o cruzeiro que resplandecia
E agora vocês sabem
Sabem que somos nós

Que vamos permitindo a um outro mundo
Vir até aqui e fazer pouco caso de nossas verdades!
Da pátria amada hoje só restou saudade
Saudade restou só hoje amada pátria
Tenha dó de mim